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Antropocentrismo e Biocentrismo

segunda-feira, 29 de março de 2010

A sociedade humana foi criada sobre uma base extremamente segregária, que enaltece a doutrina do Antropocentrismo, ou seja, uma doutrina que coloca o humano como o centro do universo. Segundo esta forma de pensamento, tudo gira em torno de nós, seres humanos.

Justamente por causa do antropocentrismo, a maioria esmagadora dos humanos não se preocupa com os demais seres vivos da mesma forma como se preocupa com os seus semelhantes. Trata-se, portanto, de uma forma de pensar [ e agir ] totalmente errônea e causadora da quase ausência de sentimentos em relação aos outros animais que, de acordo com esta doutrina, são considerados seres inferiores que estão, tão somente, a nossa disposição para uso da maneira que melhor nos convir.

Por outro lado, temos uma doutrina que vai de encontro ao antropocentrismo, chocando-se com esta forma antiética de enxergar o mundo. Esta outra doutrina é o Biocentrismo, que nos proporciona a possibilidade de enxergarmos uma unidade universal, onde todos os seres vivos são considerados indivíduos possuidores da mesa significância, ou seja, com a adoção desta forma de pensamento, os humanos descem do seu trono centralizador e se juntam igualmente a todos os demais organismos da biosfera e de todo o universo.

É mais que óbvio que uma forma de pensamento igual a esta, contraria a essência da sociedade humana, bem como a essência do "espírito" humano, representado pelas doutrinas religiosas. Mas só contraria por que os princípios essenciais da nossa sociedade reduzem a Natureza a um simples elemento, que deve ser usado e abusado pelo Homem, se aproveitando da diversidade entre as espécies para justificar, nas suas diferenças, a exploração humana sem restrições sobre os outros seres.

Mesmo neste cenário oposicionista da raça humana, o biocentrismo ainda encontra o seu espaço entre nós. Há muito se fala sobre os Direitos dos Animais não humanos e, no decorrer da história da sociedade humana, observamos várias tentativas do Homem de preservar as demais espécies do seu jugo impositor. Porém, muitas dessas tentativas de inserção do biocentrismo nas leis da nossa sociedade, acabaram por criar proteções jurídicas que, no frigir dos ovos, visam apenas o bem-estar e a sobrevivência da própria espécie humana, contrariando a essência doutrinal do biocentrismo e estabelecendo mais forças ao paradigma antropocêntrico.

Um exemplo que ilustra muito bem o que estou dizendo, é o texto referente ao Meio Ambiente do Artigo 225 do Capítulo VI, da nossa Constituição Federal de 1988, que diz:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Logo, nem mesmo a nossa Constituição foi sábia o suficiente para enxergar que os animais não humanos devem possuir seus próprios direitos e que o Homem, idealizador e agente das Leis, deve ser o signatário dos direitos daqueles que não fazem parte da sua espécie, assegurando que sejam respeitados mediante a punição dos próprios humanos que praticarem atos criminosos contra os demais seres vivos.

Contrariando a pragmática do antropocentrismo, foi instituída e proclamada pela UNESCO, em 27 de janeiro de 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, com o intuito de estabelecer que o respeito dos Homens pelo seu semelhante deve ser associado intrinsecamente ao respeito dos Homens pelos demais animais, e que toda a educação ministrada aos Homens, desde a sua infância, deve ser centrada na compreensão do respeito e amor aos animais de outra espécie e a toda a Natureza.

Foi com base nesta Declaração, que surgiu pelo mundo diversas leis em favor dos animais não humanos. Mas, de qualquer forma, não podemos negar que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi promulgada muito tardiamente. Porém, muito antes disso, já havia um intenso trabalho para conscientizar a sociedade sobre a necessidade de tratarmos os outros animais de uma forma mais correta e justa.

Foi com esta premissa que surgiu em 25 de outubro de 1809, durante uma reunião aparentemente banal em um café na Bold Street, em Liverpool, Inglaterra, a primeira instituição protetora de animais do mundo, a Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, conhecida como RSPCA Liverpool, que completou 200 anos de atividade em 2009.

Aqui no Brasil, a primeira instituição de proteção aos animais surgiu a 115 anos, em 1895. Trata-se da União Internacional Protetora dos Animais, conhecida como UIPA, e fundada pelo médico sanitarista e político carioca de origem inglesa, Dr. Ignácio Wallace da Gama Cochrane.

A partir desta iniciativa, muitas outras instituições com as mesmas pretensões foram surgindo em nosso país, estabelecendo diversos avanços na esfera legislativa, como a nossa primeira Lei a mencionar a proteção aos animais, o Decreto 24.645, promulgado em 10 de julho de 1934, durante o Governo de Getúlio Vargas.

Outras conquistas, como a alteração dos artigos 27 e 28 da Lei 5.197/67, tornando crimes inafiançáveis os atentados aos animais silvestres nativos; a inclusão do artigo 225 da Constituição Federal; a tipificação dos crimes contra a fauna na Lei 9.605, de Crimes Ambientais, bem como as mais recentes, que proíbem a utilização de animais em circos em vários estados e municípios brasileiros, e a decisão judicial que proíbe a detestável Farra do Boi, são frutos do trabalho de articulação de ONG's e demais instituições de proteção aos animais não-humanos em nosso país, com representantes do Ministério Público e políticos simpatizantes da causa.

Em 17 de Novembro de 2009 foi aprovado por unanimidade, através da Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal, o Projeto de Lei que proíbe a exibição de animais em circos em todo o território brasileiro e substitui o antigo Projeto de Lei número 7291/06, que dava o direito absurdo aos circos de possuir animais da nossa fauna silvestre e exótica, para uso em seus espetáculos.

O primeiro Projeto de Lei, de 2006, que regulamenta o uso de animais nos circos, é de autoria do Senador Álvaro Dias, do PSDB. Antes, porém, já havia outros projetos de lei e emendas semelhantes, como também outras emendas contrárias redigidas por vários Deputados e Senadores. Por fim, este novo projeto de lei, que já passou pelo Senado e aguarda a aprovação final do Plenário ainda neste semestre, colocará o Brasil em pé de igualdade, neste setor legislativo, com países como Áustria, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Israel, Índia, Singapura e Costa Rica.

Com esta Lei, os donos de circos terão de parar imediatamente de utilizar os animais em espetáculos, mas possuirão o prazo de oito anos para decidir sobre o futuro deles, que deverão ser encaminhados a zoológicos registrados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, IBAMA. Uma regra no projeto veta a doação dos bichos para circos de outros países.  

Dentre as muitas pessoas que lutam em prol dos Direitos dos Animais, posso destacar a Dra. Edna Cardozo Dias, Professora de Direito Ambiental e Urbanístico da UFMG, e Presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal, fundada em 1983, que declara o seguinte:

"Se cotejarmos os direitos de uma pessoa humana com os direitos do animal como indivíduo ou espécie, constatamos que ambos tem direito à defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida, ao livre desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu organismo e de seu corpo, bem como o direito ao não sofrimento. Sob o ponto de vista ético e científico é fácil justificar a personalidade do animal."

Recentemente comemorei a inauguração da Primeira Delegacia de Proteção aos Animais [ não humanos ] do Estado de São Paulo, com sua sede no 4.º Distrito Policial de Campinas, sob o comando da Delegada Dra. Rosana Mortari. Trata-se de uma iniciativa inédita em São Paulo, e espero que seja disseminada por pelo menos todos os municípios com mais de 100 mil habitantes, servindo assim de Sucursal aos municípios menores.

Sem dúvida estamos avançando no reconhecimento dos Direitos dos Animais, mas infelizmente ainda falta muita conscientização sobre isto. Sinto que já passou da hora de termos um Hospital Público para atendimento aos animais, aos moldes do SUS, Sistema Único de Saúde. E não me venham dizer que falta verba para isto, porque é uma mentira! O que falta é vergonha na cara dos políticos que não enfrentam esta questão da forma como deveria, simplesmente porque não se trata de um assunto que cause comoção social; ao contrário: este é um tema difícil de ser "digerido" pelo eleitorado, causando até mesmo indignação por parte da maioria da população, que acredita ser este tema uma afronta contra as carências proporcionadas pela saúde pública àqueles que necessitam de um atendimento médico de qualidade.

Mas a Saúde Pública está falida por outros motivos, que envolvem desvio de verbas e corrupção. A proposta da criação de um Hospital Público para atendimentos de animais, não passa pelo uso das verbas já direcionadas ao SUS. Deveria haver uma política que gerenciasse as verbas oriundas das vendas de Crédito de Carbono, que são obtidas através dos Leilões de RCEs (Reduções Certificadas de Emissão) promovidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo e por vários outros órgãos administrativos do nosso país.

Entre 2007 e 2008, a Sub-Prefeitura de Perus, um bairro-cidade no extremo da zona oeste de São Paulo, recebeu do banco holandês FortisBank a quantia de 34 milhões de reais pela venda de 808.450 Créditos de Carbono.

Na época, um Forum da Agenda 21 daquela região, formado pelos distritos de Jaraguá, Pirituba, Perus e Anhanguera, promoveu diversas reuniões para tratar sobre o destino dos milhões que viriam para Perus. A maior parte daquelas reuniões tratou sobre uma questão específica, que tinha por um lado os defensores da implantação de um Hospital Veterinário Municipal e, do outro, a população que não aceitava um investimento desse tipo, já que não dispunham até então de um Hospital Municipal para atender pessoas!

Passados quase três anos, eu não sei o que aconteceu com este dinheiro todo! Pelo que pude apurar, foram construídas e reformadas algumas praças públicas em Perus e algumas benfeitorias no aterro municipal Bandeirantes, localizado também no bairro de Perus, e que foi o principal gerador dos Créditos de Carbono que foram vendidos.

Como eu disse, falta uma gestão eficiente para apurar o direcionamento eficaz dos recursos obtidos com a venda de Créditos de Carbono. Só sei que o Hospital Veterinário Público não saiu do papel, ou melhor, nem se quer foi descrito como um projeto!

Portanto, a questão do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos não depende apenas da existência de Leis de proteção, e sim de uma real mudança do paradigma ético, da passagem do antropocentrismo para o biocentrismo, da valoração dos animais não mais pelo seu valor econômico ou pelo uso antrópico, mas sim pela sua existência enquanto indivíduos.

Finalizando, deixo duas ideias para os políticos que desejam abraçar as causas ambientais: promovam a ideia de um Hospital Veterinário Público com recursos da venda de Créditos de Carbono e defendam a implantação de um projeto concreto de educação ambiental nas escolas públicas e privadas!

9 comentários:

Anônimo 29 de março de 2010 às 10:10  

Caro Deijivan,

Leio com frequência seu blog. Você é inteligente, seu texto é enxuto e elegante. Também leio, de vez em quando, o blog do Maroni e, sobre este, não posso dizer a mesma coisa: os textos são redundantes, terrivelmente mal escritos, e, além disso, o autor é grosseiro e preconceituoso, embora passe a maior parte do tempo dando lições de liberdade, quase sempre embasadas em uma psicologia barata.
Me espantei outro dia de ler um texto seu, no blog do Maroni, em defesa do dito cujo. Alguém, em um texto irônico, demonstrou ao Maroni o despropósito deste fazer o retrato psicológico do Nardoni, pai da garota Isabella, apontando, com outro exemplo, os excesso a que uma pessoa pode chegar. Ora, a exemplo de outras tantas coisas que o empresário escreve naquele blog, qualquer um chegaria à conclusão que o tal retrato era mais uma das suas patacoadas. Mas não você. Indo à frente, um amigo, este sim, leitor assíduo do Maroni, disse-me que você já insinuou, mais de uma vez, que gostaria de assessorar o Maroni na área da comunicação. É verdade? Seria este o motivo de sua defesa ao impostor?

Um abraço

Hélio

Hefestos 29 de março de 2010 às 14:55  

Parabéns pelo seu trabalho de pesquisa.

Deijivan 30 de março de 2010 às 03:22  

Olá Hélio!

Primeiro quero agradece-lo pelos elogios, muito obrigado! Fico feliz em saber que meus textos conseguem servir o propósito de ofertar informações de forma clara e suscinta!

Quanto a sua alegação de uma suposta defesa minha da opinião do Maroni a respeito do caso Nardoni, quero que saiba que se foi esta a impressão que deixei, com certeza se trata de um equivoco. Talvez de maneira ingênua, realmente tenha parecido que segui a tortuosidade do comentário que o Maroni fez, mas confesso que a minha intenção foi apenas expressar uma opinião que mantenho a respeito da dificuldade emocional existente no fato de uma pessoa ser convocada a participar de um juri popular, que fatalmente nos leva a um conflito psicológico justificado pelo peso da dúvida de um julgamento.

Se eu não me referi às segundas intenções expostas nas entrelinhas do texto do Maroni, foi por que já tinha observado esta manifestação em outras postagens que, inclusive, denotavam argumentos muito bem elaborados. Portanto, com a intenção de expor um pensamento meu e não apenas apresentar mais uma questão repetitiva naquele tópico, resolvi ser indiferente às outras postagens. Agora que você me alertou, reconheço que deveria ter me posicionado melhor!

E quanto ao que o seu amigo disse a respeito da minha vontade de assessorar o Maroni, afirmo que é verdade, mas de forma alguma este fato pode ser associado a uma suposta impressão de defesa pessoal do Maroni que eu possa ter passado.

Acontece que sou sócio em uma agência de propaganda, além de manter negócios com uma produtora de TV e Cinema aqui em São Paulo.
Diante disto, apresentei em meados de 2009 uma proposta de assessoria de imprensa e de uma campanha publicitária para a empresa OW - OSCAR WORLD, a qual não obteve um desenrolar comercial simplesmente por que não conseguimos estabelecer uma agenda de reuniões, necessárias para a total exposição do negócio, uma vez que o próprio Maroni desmarcou sucessivamente estas reuniões, alegando (como sempre) que estava extremamente ocupado com o desenrolar dos seus problemas jurídicos. Por fim, abandonamos este projeto por que entendemos que a empresa do Maroni não se compatibilizava com a política de relacionamento que mantemos com os nossos clientes, uma vez que estranhamos o fato dele não ter indicado outro responsável para nos atender e, em função disto, ter deixado a impressão de que a sua empresa só funciona quando ele não está indisposto!

De qualquer forma, agora o Maroni já está trabalhando com uma empresa de propaganda ou com um grupo de profissionais desta área e, portanto, não cogitamos mais aquela oferta de assessoria.

É isto! Espero que eu tenha conseguido esclarecer as suas dúvidas!
Abraços e até mais!

Deijivan 30 de março de 2010 às 03:49  

Hefestos, quero deixar o meu agradecimento pelo reconhecimento que expressou em relação ao meu trabalho de pesquisa na elaboração do texto deste tópico: Muito Obrigado!!!

Aproveito aqui para divulgar os dois blogs que você possuí e administra de forma excelente:

http://semamornadasomos.blogspot.com

http://direitomaisdireito.blogspot.com

Anônimo 30 de março de 2010 às 06:11  

Fico contente por alguns leitores do Blog do Maroni se encontrarem aqui. Já fiz menção ao seu blog, pois realmente acho-o interessante. Outro blog que admiro é o do Hefesto. Os respectivos blogs, do Dejivan e do Hefesto, para mim são didáticos e capazes de não apenas me ensinar a escrever com grande estilo (ainda chegarei perto de nível de vocês), mas também de aumentar meu interesse por essa tão empolgante arte (ou ofício) que é a literatura digital.
Um abraço a você, ao Hefesto e a todos os que por aqui passarem.
SF

Deijivan 31 de março de 2010 às 04:09  

Obrigado pelos elogios! Saber que de alguma forma posso influenciar para o bem alguma pessoa, é extremamente satisfatório! Fico realmente feliz por isto!
E espero que em breve você nos presenteie com a estréia de um blog, para que possa externar suas ideias também!
Abraços!

Rafael Tadeu de Matos Ribeiro 1 de abril de 2010 às 01:18  

Olá,
Parabéns pelo blog. Conheça os meus blogs:
www.imperativocientifico.blogspot.com
(divulgação científica) e
www.petalasesepalas.blogspot.com

Abraço
Rafael

Deijivan 1 de abril de 2010 às 04:10  

Valeu Rafael! Obrigado!
Gostei do seu blog sobre ciência e já estou seguindo! O outro verei com mais calma durante o feriadão.
Abraços!

Carlos Reinaldo Mendes Ribeiro 9 de maio de 2015 às 13:04  

Nuestro libro sobre biocentrismo que se puede acceder en Amazon responde a algunas preguntas acerca de la vida.
http://www.amazon.com/BIOCENTRISMO-Preguntas-y-Respuestas-Spanish-ebook/dp/B00X1MCZTS/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1430831560&sr=1-1

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