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SONHOS E DESEJOS
terça-feira, 27 de abril de 2010
É engraçado como grandes pensamentos e inesperadas soluções ocorrem na mente humana em situações totalmente estranhas e banais. Fico pensando que as grandes descobertas cientificas possam ter sido originadas de um insight num momento absolutamente normal, num lugar longe dos grandes centros de pesquisa e laboratórios.
Talvez Isaac Newton tenha pensado sobre a gravidade em outro momento, antes dele ter se sentado a sombra de uma macieira. Talvez ele tenha pensado nisto enquanto fazia suas necessidades fisiológicas sentado num vaso sanitário, indagando o porquê das suas fezes irem sempre para o mesmo caminho ao invés de saírem voando pelo banheiro! Mas isto ficaria muito feio nos registros da história da humanidade.
O que quero dizer é que boa parte dos insights geniais acabam acontecendo em momentos e situações que nada têm a ver com a elucidação das questões que nos atormentam. A mente humana age assim, de forma engraçada, como se fosse uma “pegadinha” premeditada em nossa lógica!
O que quero dizer é que boa parte dos insights geniais acabam acontecendo em momentos e situações que nada têm a ver com a elucidação das questões que nos atormentam. A mente humana age assim, de forma engraçada, como se fosse uma “pegadinha” premeditada em nossa lógica!
E na tarde deste domingo, dia 25 de abril, fui agraciado com uma dessas “pegadinhas” cerebrais enquanto fazia uma caminhada. Mas não pensem que se tratava de uma caminhada tradicional, pois o intuito dela não tinha nada a ver com o meu bem-estar físico; pelo contrário, se tratava de uma caminhada até uma padaria de um bairro vizinho ao que resido, simplesmente para comprar um maço de cigarros! Acontece que o cigarro que eu fumo não se encontra facilmente, pois é de uma marca estrangeira e, por isto, às vezes tenho que procurar um local que os venda, quando não é possível ou quando me esqueço de comprá-los no lugar certo.
Pois bem, o dia estava lindo, com sol não muito quente e propicio para uma pequena caminhada. Abracei a empreitada e fui até a tal padaria, só que havia se acabado o estoque dos cigarros que eu procurava! Então fui informado que poderia encontrá-los num posto de combustível adiante, cerca de mais uns dois quilômetros.
Parei, olhei para trás e resolvi seguir o trajeto até o posto, afinal estava disposto a fazer uma bela caminhada e, além disto, estava com muita vontade de fumar!
Pois bem, o dia estava lindo, com sol não muito quente e propicio para uma pequena caminhada. Abracei a empreitada e fui até a tal padaria, só que havia se acabado o estoque dos cigarros que eu procurava! Então fui informado que poderia encontrá-los num posto de combustível adiante, cerca de mais uns dois quilômetros.
Parei, olhei para trás e resolvi seguir o trajeto até o posto, afinal estava disposto a fazer uma bela caminhada e, além disto, estava com muita vontade de fumar!
Quem me visse caminhando poderia jurar que eu era mais um daqueles caras pós-geração Yuppie, que passam a semana dentro de um escritório e nos finais de semana se dedica a cuidar da saúde e do corpo, freqüentando academias e praticando caminhadas. Doce ilusão! E lá seguia eu, trajando uma camiseta regata, bermudas e tênis, com o pensamento muito distante de uma vida saudável, buscando saciar meu vício doentio.
Foram justamente durante estes dois quilômetros que me separavam do meu objetivo, que me ocorreu uma idéia muito interessante. Primeiro comecei a lembrar dos meus últimos dias, quando estava viajando pelo interior de São Paulo, passando por várias cidadezinhas em busca de fechar novos negócios e aproveitando para visitar velhos amigos da infância e da adolescência, os quais já não via há muito tempo.
Tive o prazer de rever três destes amigos, todos com a mesma idade minha. Foram visitas de surpresa, sem agendar nada e, por isto, acabei encontrando apenas estes três. Evidente que a conversa com cada um deles foi extremamente nostálgica. Relembramos principalmente nossas fases de adolescência, coisas acontecidas há vinte e cinco anos. Porém, quando estávamos falando sobre nossas vidas atuais, me ocorreu uma pergunta cretina: “E aí, conseguiu realizar os seus sonhos?”
Não vou citar nomes, mas dois deles estavam com as vidas feitas, como se costuma dizer. O terceiro passa por um momento financeiramente preocupante, colhendo frutos de uma má administração da vida, como a maioria de nós. Mas a pergunta que não queria calar ficou na cabeça deles por pouco tempo, pois responderam enfaticamente. Os dois que estão em situações financeiras boas, com famílias formadas, donos de carrões e com mais tempo livre para curtir a vida, me disseram que estavam satisfeitos por terem conseguido realizar os seus sonhos. Ambos estão bem casados; possuem filhos lindos, saudáveis e estudiosos; belas casas (a que moram e também casas de praia e de campo); brinquedinhos de homem adulto (vide carros); um lar com as últimas novidades tecnológicas e tempo [e dinheiro] disponível para viajarem pelo mundo. Logo, pensavam que seus sonhos de adolescente foram plenamente realizados!
O terceiro, ainda solteiro e sem filhos, estava com o mesmo carro já há sete anos e, por uma trapaça do destino, tivera que voltar a dividir a mesma casa com a mãe! Amargou algumas derrotas da vida ao longo dos anos, quando viu o seu patrimônio ser dilapidado por dívidas homéricas, oriundas de negócios mal feitos com pessoas desonestas e também de aventuras financeiras em negócios que desconhecia o funcionamento. Este lamentou que houvesse chegado aos dias de hoje sem poder ter realizado nenhum dos seus sonhos de adolescente.
É claro que todos eles jogaram a mesma pergunta de volta. E após a armadilha da minha pergunta ser lançada de volta, eu tomava um bom gole de cerveja e via a minha vida passando em minha mente como se fosse um daqueles filminhos de flashback.
Sem pensar muito, respondi que consegui realizar a maioria dos meus sonhos, mas que ainda faltavam muitos outros. Afinal, a minha vida não é nenhum exemplo de vitória, pois passei e ainda passo por uma ciranda financeira interminável de altos e baixos. Quinze anos atrás eu era muito mais jovem e tinha muito mais dinheiro que podia esbanjar a vontade, como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Depois veio uma sucessão de crises e fases que me obrigou a segurar mais as rédeas da minha vida e, por fim, veio o meu filho, que tive a infelicidade de não ter acompanhado os primeiros anos da sua vida. Passei por vários relacionamentos, mas vivi junto, sob o mesmo teto, apenas com três mulheres. Até hoje não me casei oficialmente, mas tive o prazer de viver alguns anos como se fosse casado. Tive muitos carros que desejei, mas também tive momentos que desejava ter qualquer carro, só para não ter que enfrentar metrôs e ônibus! Enfim, uma vida repleta de altos e baixos e sem espaço para realizar meus sonhos.
E hoje, durante aquela caminhada, pensei muito sobre a questão dos sonhos e, num momento de puro insight, descobri que sonhos são muito diferentes de desejos! E o pior é que, no decorrer das nossas vidas, temos a tendência de confundirmos os nossos sonhos com os nossos desejos, aniquilando de nossa mente os verdadeiros sonhos e os transformando em simples desejos!
Constatação cruel esta! Foi então que refleti sobre as conversas que tive durante a semana que passou com os meus amigos de infância. Aqueles dois que acreditavam ter conseguido realizarem os seus sonhos, na verdade apenas realizaram desejos, enquanto que o terceiro que lamentava não ter conseguido realizar nenhum sonho, na verdade havia conseguido realizar o seu maior sonho!
Vou me explicar: um dos meus amigos afortunados, na época que tínhamos treze anos de idade e andávamos de bicicleta, parando em armazéns e bares para dividir coca-cola, havia confidenciado que o seu maior sonho era possuir uma identidade secreta que o possibilitasse andar por aí num carro igual ao do seriado “Super Máquina”, defendendo a sociedade de elementos fora da lei! O outro amigo afortunado era mais humilde e sonhava em aprender artes marciais com um legitimo samurai e passar alguns anos morando numa aldeia medieval no Japão. O terceiro, aquele que está enrolado nas suas finanças, sonhava em ser piloto de fórmula 1 ou pelo menos pilotar um carro desta categoria.
Na semana passada não me encontrei com nenhum paladino da justiça que dirige um Pontiac Trans AM preto aparelhado com um computador de bordo que atende pelo nome de Kit e nem muito menos me encontrei com um mestre Pai-Mei portador de uma longa barba branca e desenvoltura física de um personagem de Matrix. Mas, surpreendentemente, tenho certeza que me encontrei com um piloto de fórmula 1, pois o meu amigo que clamava as inconveniências da sua arruinada vida financeira, conseguiu pilotar um autentico carro de fórmula 1, mais especificamente um da equipe Williams, dotado na época de um poderoso motor BMW, durante uma caríssima viagem que fez pela Europa há uns dez anos, quando ainda gozava de um repentina ascensão financeira.
Portanto, justamente aquele que acreditava que não tinha realizado nenhum sonho, foi o único que realmente realizou!
E o meu sonho? Bem, infelizmente não realizei. Eu sonhava em ser um piloto de caça, mas o máximo que consegui foi ter me alistado na Aeronáutica!
Mas não tive apenas este sonho. Aos meus quinze anos de idade assisti uma reportagem no programa Fantástico sobre um homem com então 70 anos de idade que acabara de completar a realização de uma extensa lista de sonhos, feita quando tinha também quinze anos de idade. Achei incrível aquele fato e imediatamente comecei a redigir a minha lista de sonhos, que conclui quase dois anos depois. São ao todo 74 itens, dos quais realizei apenas três até o momento!
Mas isto não importa. Escrevi tudo isto apenas para mostrar como facilmente esquecemos nossos verdadeiros sonhos e como a vida nos engana atribuindo valores de sonhos aos nossos desejos. Com isto, quero enaltecer a importância dos nossos sonhos e estabelecer a diferença gritante, porém camuflada, que existe entre sonhos e desejos, e como um pode atrapalhar o outro.
Para realizar os seus sonhos você precisa se desfazer dos seus desejos. E isto não é nada fácil! Por exemplo: se uma pessoa sonha em ser um explorador de cavernas, fatalmente terá que abrir mão dos desejos de ter uma família e uma confortável residência no bairro do Morumbi ou em Moema, aqui em São Paulo, pois terá que viajar incansavelmente pelo mundo afora e ter como família apenas a sua equipe de trabalho.
O que será que vale mais, sonhos ou desejos? Hoje, com quase quarenta anos de idade, ainda não sei responder adequadamente esta pergunta, até porque descobri há poucas horas que existe uma enorme diferença entre estes dois termos.
Mas o mais engraçado e esquisito de tudo isto é que talvez a resposta a esta atual dúvida já esteja me perseguindo há algum tempo. Tudo bem, isto cabe mais uma explicação: eu tenho mania de colecionar recortes de jornal. Guardo notícias, artigos e propagandas que me interessam. Às vezes extrapolo um pouco nesta mania e acabo recortando até avisos mortuários! Foi o que aconteceu no dia 04 de março deste ano, uma quinta-feira, quando li o artigo “Valdo subiu na bike e foi dar uma volta ao mundo”, escrito pelo jornalista Estevão Bertoni na seção “Mortes” da Folha de São Paulo.
Este artigo falava sobre a morte de João Valdecir Vieira (1944-2010), conhecido por Valdo, um ex-padre que resolveu largar a batina e realizar um antigo sonho: dar a volta ao mundo em uma bicicleta!
A ligação entre este pequeno artigo e o tema que trato aqui aconteceu justamente na noite deste domingo, quando resolvi organizar estes meus recortes de jornais e me deparei justamente com o artigo sobre o Valdo. De início passou de relance, mas logo me veio à cabeça os pensamentos sobre sonhos e desejos que me ocuparam a mente durante a tarde. Tive que parar com o trabalho de organização dos recortes e me dedicar imediatamente à leitura daquele artigo. Minutos depois eu já estava sentado enfrente ao micro escrevendo este texto. Não consegui terminá-lo no mesmo dia e retomei a empreitada na noite de segunda-feira, para então publicá-lo na madrugada desta terça-feira.
A história do ciclista e ex-padre Valdo é surpreendente. Graças a uma Poupança que fez ao longo da vida, conseguiu juntar quase 60 mil reais que foram destinados para financiar o seu sonho. Já sabia de antemão que seria muito difícil arranjar patrocínios que bancassem toda a viagem e, por isto, se precaveu guardando dinheiro. Obviamente que teve auxílio também de amigos e familiares, além de simpatizantes que encontrou pelo caminho. Segundo as informações disponíveis no site do Valdo, ele recebeu 374 dólares de doações feitas por pessoas que ele encontrou durante a viagem.
A odisséia de Valdo é impressionante. Ele percorreu milhares de quilômetros em sua “bike”, apelidada de Tanajura, saindo de Joinville, Santa Catarina, no dia 15 de março de 2009, as 6h30 da manhã. Ao longo do trajeto percorrido, ele teve que caminhar a pé empurrando sua bicicleta por 927 km, enfrentando diversas ladeiras entre montanhas e desfiladeiros. Pelas estradas ele encontrou 26 cicloturistas, categoria de ciclistas que se empenham em longas viagens, e pôde se vangloriar de ter levado apenas cinco tombos durante todo o percurso!
Para nosso deleite, Valdo registrou todas as suas aventuras em um diário de bordo publicado em seu site, deixando muitas dicas sobre costumes locais, pontos de parada e alojamento e centenas de fotos e vídeos. Tudo foi muito bem catalogado, rendendo um material extremamente interessante.
O projeto todo da volta ao mundo em uma bicicleta deveria durar 1.460 dias, terminando em dezembro de 2012, podendo se estender até maio de 2013. Porém, infelizmente Valdo não conseguiu concluir o seu sonho. Ele conseguiu chegar até o México e se preparava para entrar nos EUA, quando publicou em seu site a ultima postagem em 22 de fevereiro deste ano. Dois dias depois, em 24 de fevereiro, o fabuloso ciclista Valdo, com 66 anos de idade, foi encontrado morto em sua barraca no acampamento do Restaurante Rancho Chapala, em Vila de Jesus Maria, na cidade de Baixa Califórnia, no México.
Valdo morreu dormindo, provavelmente devido a uma parada cardiorrespiratória. Mesmo não conseguindo realizar por inteiro o seu sonho, com certeza ele se foi satisfeito com a vida que teve. Foi um homem audacioso, que teve a coragem de deixar tudo para trás para poder se dedicar exclusivamente ao seu sonho. Abandonou os seus desejos e conquistas para seguir os caminhos que levavam ao prazer único da realização de um sonho!
Volto a perguntar: o que será que vale mais, sonhos ou desejos?
Para finalizar, deixo duas frases de autoria do grande Valdo:
“Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro."