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SONHOS E DESEJOS

terça-feira, 27 de abril de 2010

É engraçado como grandes pensamentos e inesperadas soluções ocorrem na mente humana em situações totalmente estranhas e banais. Fico pensando que as grandes descobertas cientificas possam ter sido originadas de um insight num momento absolutamente normal, num lugar longe dos grandes centros de pesquisa e laboratórios.

Talvez Isaac Newton tenha pensado sobre a gravidade em outro momento, antes dele ter se sentado a sombra de uma macieira. Talvez ele tenha pensado nisto enquanto fazia suas necessidades fisiológicas sentado num vaso sanitário, indagando o porquê das suas fezes irem sempre para o mesmo caminho ao invés de saírem voando pelo banheiro! Mas isto ficaria muito feio nos registros da história da humanidade.

O que quero dizer é que boa parte dos insights geniais acabam acontecendo em momentos e situações que nada têm a ver com a elucidação das questões que nos atormentam. A mente humana age assim, de forma engraçada, como se fosse uma “pegadinha” premeditada em nossa lógica!

E na tarde deste domingo, dia 25 de abril, fui agraciado com uma dessas “pegadinhas” cerebrais enquanto fazia uma caminhada. Mas não pensem que se tratava de uma caminhada tradicional, pois o intuito dela não tinha nada a ver com o meu bem-estar físico; pelo contrário, se tratava de uma caminhada até uma padaria de um bairro vizinho ao que resido, simplesmente para comprar um maço de cigarros! Acontece que o cigarro que eu fumo não se encontra facilmente, pois é de uma marca estrangeira e, por isto, às vezes tenho que procurar um local que os venda, quando não é possível ou quando me esqueço de comprá-los no lugar certo.

Pois bem, o dia estava lindo, com sol não muito quente e propicio para uma pequena caminhada. Abracei a empreitada e fui até a tal padaria, só que havia se acabado o estoque dos cigarros que eu procurava! Então fui informado que poderia encontrá-los num posto de combustível adiante, cerca de mais uns dois quilômetros.
Parei, olhei para trás e resolvi seguir o trajeto até o posto, afinal estava disposto a fazer uma bela caminhada e, além disto, estava com muita vontade de fumar!

Quem me visse caminhando poderia jurar que eu era mais um daqueles caras pós-geração Yuppie, que passam a semana dentro de um escritório e nos finais de semana se dedica a cuidar da saúde e do corpo, freqüentando academias e praticando caminhadas. Doce ilusão! E lá seguia eu, trajando uma camiseta regata, bermudas e tênis, com o pensamento muito distante de uma vida saudável, buscando saciar meu vício doentio.

Foram justamente durante estes dois quilômetros que me separavam do meu objetivo, que me ocorreu uma idéia muito interessante. Primeiro comecei a lembrar dos meus últimos dias, quando estava viajando pelo interior de São Paulo, passando por várias cidadezinhas em busca de fechar novos negócios e aproveitando para visitar velhos amigos da infância e da adolescência, os quais já não via há muito tempo.

Tive o prazer de rever três destes amigos, todos com a mesma idade minha. Foram visitas de surpresa, sem agendar nada e, por isto, acabei encontrando apenas estes três. Evidente que a conversa com cada um deles foi extremamente nostálgica. Relembramos principalmente nossas fases de adolescência, coisas acontecidas há vinte e cinco anos. Porém, quando estávamos falando sobre nossas vidas atuais, me ocorreu uma pergunta cretina: “E aí, conseguiu realizar os seus sonhos?

Não vou citar nomes, mas dois deles estavam com as vidas feitas, como se costuma dizer. O terceiro passa por um momento financeiramente preocupante, colhendo frutos de uma má administração da vida, como a maioria de nós. Mas a pergunta que não queria calar ficou na cabeça deles por pouco tempo, pois responderam enfaticamente. Os dois que estão em situações financeiras boas, com famílias formadas, donos de carrões e com mais tempo livre para curtir a vida, me disseram que estavam satisfeitos por terem conseguido realizar os seus sonhos. Ambos estão bem casados; possuem filhos lindos, saudáveis e estudiosos; belas casas (a que moram e também casas de praia e de campo); brinquedinhos de homem adulto (vide carros); um lar com as últimas novidades tecnológicas e tempo [e dinheiro] disponível para viajarem pelo mundo. Logo, pensavam que seus sonhos de adolescente foram plenamente realizados!

O terceiro, ainda solteiro e sem filhos, estava com o mesmo carro já há sete anos e, por uma trapaça do destino, tivera que voltar a dividir a mesma casa com a mãe! Amargou algumas derrotas da vida ao longo dos anos, quando viu o seu patrimônio ser dilapidado por dívidas homéricas, oriundas de negócios mal feitos com pessoas desonestas e também de aventuras financeiras em negócios que desconhecia o funcionamento. Este lamentou que houvesse chegado aos dias de hoje sem poder ter realizado nenhum dos seus sonhos de adolescente.

É claro que todos eles jogaram a mesma pergunta de volta. E após a armadilha da minha pergunta ser lançada de volta, eu tomava um bom gole de cerveja e via a minha vida passando em minha mente como se fosse um daqueles filminhos de flashback.

Sem pensar muito, respondi que consegui realizar a maioria dos meus sonhos, mas que ainda faltavam muitos outros. Afinal, a minha vida não é nenhum exemplo de vitória, pois passei e ainda passo por uma ciranda financeira interminável de altos e baixos. Quinze anos atrás eu era muito mais jovem e tinha muito mais dinheiro que podia esbanjar a vontade, como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Depois veio uma sucessão de crises e fases que me obrigou a segurar mais as rédeas da minha vida e, por fim, veio o meu filho, que tive a infelicidade de não ter acompanhado os primeiros anos da sua vida. Passei por vários relacionamentos, mas vivi junto, sob o mesmo teto, apenas com três mulheres. Até hoje não me casei oficialmente, mas tive o prazer de viver alguns anos como se fosse casado. Tive muitos carros que desejei, mas também tive momentos que desejava ter qualquer carro, só para não ter que enfrentar metrôs e ônibus! Enfim, uma vida repleta de altos e baixos e sem espaço para realizar meus sonhos.

E hoje, durante aquela caminhada, pensei muito sobre a questão dos sonhos e, num momento de puro insight, descobri que sonhos são muito diferentes de desejos! E o pior é que, no decorrer das nossas vidas, temos a tendência de confundirmos os nossos sonhos com os nossos desejos, aniquilando de nossa mente os verdadeiros sonhos e os transformando em simples desejos!

Constatação cruel esta! Foi então que refleti sobre as conversas que tive durante a semana que passou com os meus amigos de infância. Aqueles dois que acreditavam ter conseguido realizarem os seus sonhos, na verdade apenas realizaram desejos, enquanto que o terceiro que lamentava não ter conseguido realizar nenhum sonho, na verdade havia conseguido realizar o seu maior sonho!

Vou me explicar: um dos meus amigos afortunados, na época que tínhamos treze anos de idade e andávamos de bicicleta, parando em armazéns e bares para dividir coca-cola, havia confidenciado que o seu maior sonho era possuir uma identidade secreta que o possibilitasse andar por aí num carro igual ao do seriado “Super Máquina”, defendendo a sociedade de elementos fora da lei! O outro amigo afortunado era mais humilde e sonhava em aprender artes marciais com um legitimo samurai e passar alguns anos morando numa aldeia medieval no Japão. O terceiro, aquele que está enrolado nas suas finanças, sonhava em ser piloto de fórmula 1 ou pelo menos pilotar um carro desta categoria.

Na semana passada não me encontrei com nenhum paladino da justiça que dirige um Pontiac Trans AM preto aparelhado com um computador de bordo que atende pelo nome de Kit e nem muito menos me encontrei com um mestre Pai-Mei portador de uma longa barba branca e desenvoltura física de um personagem de Matrix. Mas, surpreendentemente, tenho certeza que me encontrei com um piloto de fórmula 1, pois o meu amigo que clamava as inconveniências da sua arruinada vida financeira, conseguiu pilotar um autentico carro de fórmula 1, mais especificamente um da equipe Williams, dotado na época de um poderoso motor BMW, durante uma caríssima viagem que fez pela Europa há uns dez anos, quando ainda gozava de um repentina ascensão financeira.

Portanto, justamente aquele que acreditava que não tinha realizado nenhum sonho, foi o único que realmente realizou!

E o meu sonho? Bem, infelizmente não realizei. Eu sonhava em ser um piloto de caça, mas o máximo que consegui foi ter me alistado na Aeronáutica!

Mas não tive apenas este sonho. Aos meus quinze anos de idade assisti uma reportagem no programa Fantástico sobre um homem com então 70 anos de idade que acabara de completar a realização de uma extensa lista de sonhos, feita quando tinha também quinze anos de idade. Achei incrível aquele fato e imediatamente comecei a redigir a minha lista de sonhos, que conclui quase dois anos depois. São ao todo 74 itens, dos quais realizei apenas três até o momento!

Mas isto não importa. Escrevi tudo isto apenas para mostrar como facilmente esquecemos nossos verdadeiros sonhos e como a vida nos engana atribuindo valores de sonhos aos nossos desejos. Com isto, quero enaltecer a importância dos nossos sonhos e estabelecer a diferença gritante, porém camuflada, que existe entre sonhos e desejos, e como um pode atrapalhar o outro.

Para realizar os seus sonhos você precisa se desfazer dos seus desejos. E isto não é nada fácil! Por exemplo: se uma pessoa sonha em ser um explorador de cavernas, fatalmente terá que abrir mão dos desejos de ter uma família e uma confortável residência no bairro do Morumbi ou em Moema, aqui em São Paulo, pois terá que viajar incansavelmente pelo mundo afora e ter como família apenas a sua equipe de trabalho.

O que será que vale mais, sonhos ou desejos? Hoje, com quase quarenta anos de idade, ainda não sei responder adequadamente esta pergunta, até porque descobri há poucas horas que existe uma enorme diferença entre estes dois termos.

Mas o mais engraçado e esquisito de tudo isto é que talvez a resposta a esta atual dúvida já esteja me perseguindo há algum tempo. Tudo bem, isto cabe mais uma explicação: eu tenho mania de colecionar recortes de jornal. Guardo notícias, artigos e propagandas que me interessam. Às vezes extrapolo um pouco nesta mania e acabo recortando até avisos mortuários! Foi o que aconteceu no dia 04 de março deste ano, uma quinta-feira, quando li o artigo “Valdo subiu na bike e foi dar uma volta ao mundo”, escrito pelo jornalista Estevão Bertoni na seção “Mortes” da Folha de São Paulo.

Este artigo falava sobre a morte de João Valdecir Vieira (1944-2010), conhecido por Valdo, um ex-padre que resolveu largar a batina e realizar um antigo sonho: dar a volta ao mundo em uma bicicleta!

A ligação entre este pequeno artigo e o tema que trato aqui aconteceu justamente na noite deste domingo, quando resolvi organizar estes meus recortes de jornais e me deparei justamente com o artigo sobre o Valdo. De início passou de relance, mas logo me veio à cabeça os pensamentos sobre sonhos e desejos que me ocuparam a mente durante a tarde. Tive que parar com o trabalho de organização dos recortes e me dedicar imediatamente à leitura daquele artigo. Minutos depois eu já estava sentado enfrente ao micro escrevendo este texto. Não consegui terminá-lo no mesmo dia e retomei a empreitada na noite de segunda-feira, para então publicá-lo na madrugada desta terça-feira.

A história do ciclista e ex-padre Valdo é surpreendente. Graças a uma Poupança que fez ao longo da vida, conseguiu juntar quase 60 mil reais que foram destinados para financiar o seu sonho. Já sabia de antemão que seria muito difícil arranjar patrocínios que bancassem toda a viagem e, por isto, se precaveu guardando dinheiro. Obviamente que teve auxílio também de amigos e familiares, além de simpatizantes que encontrou pelo caminho. Segundo as informações disponíveis no site do Valdo, ele recebeu 374 dólares de doações feitas por pessoas que ele encontrou durante a viagem.

A odisséia de Valdo é impressionante. Ele percorreu milhares de quilômetros em sua “bike”, apelidada de Tanajura, saindo de Joinville, Santa Catarina, no dia 15 de março de 2009, as 6h30 da manhã. Ao longo do trajeto percorrido, ele teve que caminhar a pé empurrando sua bicicleta por 927 km, enfrentando diversas ladeiras entre montanhas e desfiladeiros. Pelas estradas ele encontrou 26 cicloturistas, categoria de ciclistas que se empenham em longas viagens, e pôde se vangloriar de ter levado apenas cinco tombos durante todo o percurso!

Para nosso deleite, Valdo registrou todas as suas aventuras em um diário de bordo publicado em seu site, deixando muitas dicas sobre costumes locais, pontos de parada e alojamento e centenas de fotos e vídeos. Tudo foi muito bem catalogado, rendendo um material extremamente interessante.

O projeto todo da volta ao mundo em uma bicicleta deveria durar 1.460 dias, terminando em dezembro de 2012, podendo se estender até maio de 2013. Porém, infelizmente Valdo não conseguiu concluir o seu sonho. Ele conseguiu chegar até o México e se preparava para entrar nos EUA, quando publicou em seu site a ultima postagem em 22 de fevereiro deste ano. Dois dias depois, em 24 de fevereiro, o fabuloso ciclista Valdo, com 66 anos de idade, foi encontrado morto em sua barraca no acampamento do Restaurante Rancho Chapala, em Vila de Jesus Maria, na cidade de Baixa Califórnia, no México.

Valdo morreu dormindo, provavelmente devido a uma parada cardiorrespiratória. Mesmo não conseguindo realizar por inteiro o seu sonho, com certeza ele se foi satisfeito com a vida que teve. Foi um homem audacioso, que teve a coragem de deixar tudo para trás para poder se dedicar exclusivamente ao seu sonho. Abandonou os seus desejos e conquistas para seguir os caminhos que levavam ao prazer único da realização de um sonho!

Volto a perguntar: o que será que vale mais, sonhos ou desejos? 

Para finalizar, deixo duas frases de autoria do grande Valdo:

Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro."

"As pessoas que raciocinam muito antes de dar um passo viverão suas vidas sobre uma perna só."

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Tragédias Anunciadas

domingo, 11 de abril de 2010

Nos últimos meses acompanhamos o desenrolar de diversas tragédias humanas ocasionadas pela casualidade da Natureza. Presenciamos a devastação do Haiti; a desestruturação de uma considerável parte do Chile; alagamentos constantes por toda a cidade de São Paulo; destruição da cidade histórica de São Luis do Paraitinga; soterramentos em Angra dos Reis e, agora, temos nossa atenção voltada às vítimas dos morros do Rio de Janeiro.

Não vou me ater a descrever os detalhes de todas estas recentes tragédias, porque todos nós fomos [e ainda estamos sendo] saturados pelas mídias com coberturas massivas destes acontecimentos. Duas destas tragédias tiveram como precursores o evento natural do terremoto, e as outras quatro foram causadas pelo excesso de chuva.

Muitas pessoas se sentem chocadas e acreditam que estamos sendo vítimas de uma fatalidade enorme nunca antes vista! Mas isto é uma bobagem, um pensamento errôneo causado simplesmente pela curta proximidade temporal entre uma e outra tragédia. Friamente falando, isto tudo é algo normal. Sempre houve tragédias deste tipo e, nos últimos anos, presenciamos vários desastres naturais da mesma ordem ou até muito piores que estes mais atuais.

O problema talvez esteja na constância e nas estatísticas. É evidente que a proporção destes desastres naturais aumentou consideravelmente nas últimas décadas, tanto em relação à quantidade de eventos, como também à fatalidade das vítimas. Para os mais temerosos dos supostos desígnios divinos, a cota de tragédias já foi extrapolada, haja vista que estas pessoas nem mesmo mais podem contar com as terríveis e ameaçadoras profecias de Nostradamus para se protegerem ou justificarem as desgraças ocorridas, pois nada do que está acontecendo consta na listinha macabra de acontecimentos deste personagem. Portanto, os mais crentes em Deus, independente da doutrina ou religião que sigam, só podem se confortarem diante de sucessivos desastres naturais, imaginando que a causa suprema deste mini apocalipse só possa ser um presságio do fim dos tempos!

Por outro lado, muitos dizem que tudo isto se trata de um castigo divino, uma obra engendrada por um Deus que, vira e mexe, atormenta a humanidade com sua ira vingativa, tendo como alvo aqueles que comentem sacrilégios ou adotam costumes pagãos. O Cônsul Geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, em entrevista em off para a emissora de TV SBT, levantou esta hipótese como culpa do desastre natural que vitimou centenas de pessoas nas duas principais cidades daquele país.

Fim do mundo ou vingança divina são pérolas do pensamento humano que resistem ao tempo e se proclamam de forma absurda ainda nos dias de hoje! E como é fácil e confortável eximir nós próprios da culpabilidade destas desgraças, passando a bola para uma entidade mágica que está além da realidade!

A coisa está aí na cara de todo mundo e só não enxerga quem não quer! Por uma infinidade de tempo nós insultamos e destruímos a Natureza, indiferente a todos os alarmes que o planeta vem nos dando insistentemente! A desculpa é clara: o Homem é o ser mais inteligente justamente porque é o único que, ao contrário dos demais, faz com que o meio-ambiente se adapte a ele! Se encontrarmos uma terra congelada nos confins do mundo, vamos até lá e plantamos a nossa sementinha do progresso, desconsiderando qualquer caverna e construindo uma casa aconchegante. Instalamos aquecedores, perfuramos o solo para explorar os minerais, matamos toda a fauna local, poluímos as nascentes e rios, transformamos a madeira em carvão ou em materiais úteis para o nosso conforto, montamos uma fabriqueta da Nike ou da Coca-Cola e em breve temos milhares de pessoas explorando cada canto da nova e próspera aldeia. Em menos de um ano temos então uma nova cidade com inúmeras chaminés vomitando toneladas de gás carbônico nos céus da antiga terra congelada e inóspita. Viva a Revolução Industrial e morte a qualquer idiota que disser uma frase que contenha as palavras “protocolo de Kioto”!

Se aqui fosse o Twitter, a minha verborragia acima deveria terminar com o símbolo # seguido da terminação “prontofalei”. Mas não se trata de um simples desabafo. A crítica toda vai muito além do poder de conquista e destruição inerente ao Homem.

Quando contei a historinha da condição do Homem no planeta Terra, eu falei de progresso. Relendo agora o que escrevi a dois parágrafos acima, sinto que deixei uma impressão falha de que eu talvez fosse um neoludita. Mas não é nada disso! Falei da noção destorcida que hoje temos do progresso. Desde a segunda década do século passado, após o mundo desembocar num cenário crítico, consumido por duas guerras mundiais, a perspectiva do progresso foi definitivamente abalada.

Hoje somos presas de um progresso que se transformou em um mito renovado por um aparato ideológico, interessado em convencer que a nossa história tem destino certo e glorioso. A capacidade de produzir mais e melhor não cessa de crescer e é assumida pelo discurso hegemônico como sinônimo do progresso trazido pela globalização. Um olhar sobre o século XX, com os imensos saltos da tecnologia e do conhecimento, mas com seus imensos passivos de guerras trágicas, miséria e danos ambientais, faz brotar com força a pergunta central:  Somos, por conta desse tipo de desenvolvimento, mais sensatos e mais felizes?

As conseqüências negativas do progresso, transformado em discurso hegemônico, acumulam um passivo crescente de riscos graves que podem levar de roldão o imenso esforço de séculos da aventura humana para estruturar um futuro viável e mais justo para as gerações futuras. Eu sei que seria extremamente insensato negar os avanços que o progresso nos propiciou ao longo dos últimos cem anos, mas devemos entender que esta nova concepção do progresso, a qual todos estão suscetíveis, traz embutido em sua lógica um apelo incomensurável ao consumismo desenfreado.

Enquanto Marx e Hegel, através da sua dialética, enalteciam as vantagens do progresso, transformando-o em um axioma inexorável, já podíamos ver que importantes pensadores do século XIX seguiam por um caminho contrário. Schopenhauer, Jacob Burckhardt, Weber, Tocqueville e Nietzsche, aspiravam uma descrença pelos rumos que o progresso tomava.

O engraçado é que quando pensamos em progresso, automaticamente nos vem à mente o Capitalismo, mas especificamente neste caso, não existem muitas diferenças com o pensamento Socialista. Talvez a única diferença seja em relação ao modo como o progresso foi “pintado” por cada uma das ideologias. Enquanto tínhamos Stálin, na então União Soviética, pregando que o progresso seria o ponto crucial para que o mundo, uma vez dominado pelo Comunismo, se transformasse em uma sociedade sem classes e sem opressores, onde todos poderiam desfrutar do lazer pleno e intelectual, no resto do planeta habitado pela maioria Capitalista, encontrávamos outras promessas que justificavam a adesão ao progresso técnico, as quais enalteciam a idéia de uma sociedade mais rica e tecnologicamente mais avançada. O problema é que, mais de cem anos após estas promessas, o progresso se mostrou como uma verdadeira caixa de Pandora. O lazer intelectual, defendido pelos comunistas, se transformou em lazer consumista, enquanto que a sociedade mais rica, proclamada pelos capitalistas, se tornou uma sociedade economicamente abismal. Tecnologia mais avançada? Sim, certamente que temos, mas quem paga o preço desta tecnologia é o meio-ambiente!

Todos nós sabemos que desde o início deste atual século, a ameaça mais grave à humanidade tem sido o acumulo de ataques produzidos por nós ao meio-ambiente. A propaganda do progresso provocou uma corrida exacerbada pelo consumismo, ditando um modismo cruel que posiciona qualquer indivíduo como um "out-group", um verdadeiro alienado, caso ele não participe da evolução tecnológica. Nos grandes países, quem não possui um computador de última geração, é praticamente colocado à margem da sociedade. O problema é que esta “última geração” nunca é a última! Ela se renova rapidamente pelo menos a cada seis meses!

Pior que isto, é constatarmos a enxurrada no mercado de novos modelos de celulares a cada mês. Hoje o Brasil está na lista dos países que lideram o consumo de novos celulares. Isto é mal? Se olharmos pelo lado da facilidade e conveniência que os celulares oferecem, podemos dizer que se trata de algo fantástico, ainda mais porque é uma tecnologia que qualquer cidadão brasileiro pode possuir! Porém, se olharmos pelo lado crítico da ascensão do progresso, podemos ver que a máquina do consumismo nos empurra cada vez mais novos modelos de celulares que forçosamente substituem os modelos anteriores numa rapidez assombrosa. É só você parar para pensar em quantos aparelhos de celular você já teve nos últimos dez anos. Tudo bem, você pode dizer que era imprescindível trocar de celular, pois o seu primeiro era um tijolo, já o segundo era bem menor e mais fácil de carregar, enquanto que o terceiro já era um pouco maior que o anterior, afinal celular muito pequeno é fácil de perder e, para compensar, este modelo podia ser maior porque possuía mais acessórios. Depois veio outro que era bem melhor porque tinha a tela colorida e vibrava. Mas você trocou por outro que podia tocar músicas em formato mp3, que acabou trocando por outro que além de tocar músicas, também tirava fotos. E surgiu outro que fazia tudo isso e ainda gravava vídeos. Melhor ainda é o outro, que acessa a internet, tem GPS e faz vídeos e fotos com uma definição absurda. Agora talvez você tenha um que já é melhor que o seu microcomputador. Qual será o próximo? Um que pense por você?

Está bem, estou parecendo um chato, não é mesmo? Mas o que quero demonstrar é que a real função de um celular, desde o primeiro aparelho, continua sendo a mesma, ou seja, realizar e receber chamadas telefônicas com mobilidade. Mas mesmo assim, acumulamos e continuaremos a acumular dezenas de novos aparelhos que se tornam velhos em um período de tempo muito curto. E estes novos-velhos aparelhos simplesmente não somem de forma mágica quando adquirimos um novo. Eles viram um outro produto chamado lixo.

E assim, sucessivamente, todos os produtos tecnológicos, a guisa do progresso, se tornam obsoletos e se acumulam numa incomensurável montanha de lixo! E quando falo de produtos tecnológicos, não me refiro apenas aos eletroeletrônicos, mas também a todos os demais filhos do progresso, como as embalagens de leite, sacolas plásticas e pneus. Alguns podem dizer que estou equivocado, pois afinal este tipo de lixo é 100% reciclável. Sim, 1 embalagem de leite é 100% reciclável, mas o conjunto mundial delas não é! Se fosse, não encontraríamos nenhuma delas boiando pelos rios!

Talvez agora eu tenha chegado ao ponto mais importante. O progresso consumista está aí, por todos os lados e continuará presente e crescente por todo tempo que ainda há para sobrevivermos neste planeta. Então, não há como lutarmos contra ele, a não ser que todos virem ermitões. E como isto não faz parte do seu plano de vida e muito menos do meu, devemos tratar então de compreender o poder e o valor da nossa participação enquanto cidadãos deste mundo globalizado. Porque, em última análise, se não conseguimos frear os nossos desejos de consumo, devemos então reacender a necessidade de não falharmos mais com os nossos deveres de cidadãos, para que possamos conviver com a Natureza de uma forma mais amena.

Ser Cidadão! Palavrinha simples e, ao mesmo tempo, complicada! Aos olhos da nação que você pertence você é um Cidadão simplesmente porque paga impostos [não precisa ser o I.R.P.F., porque a partir do momento que você compra uma bala, já está pagando impostos], tem uma nacionalidade confirmada e possui o direito de votar em seus representantes após os dezesseis anos de idade. É claro que em alguns países não se tem o direito de votar com a mesma idade ou, às vezes, nem se tem o direito de voto, mas mesmo assim, ainda se é um Cidadão.

Ter direitos implica, automaticamente, em ter deveres. Só que muitos se esquecem disto! Então, para que nunca mais nem eu e nem você se esqueça disto e também para que possamos lembrar os demais, vou fazer uma pequena explanação a respeito do que é ser Cidadão. Para isto, inevitavelmente, terei que recorrer à história da humanidade. Vejamos então, quando e onde surgiu o termo Cidadão e como evoluiu o significado desta palavra que foi banalizada no decorrer dos séculos.

A palavra Cidadão, muito mais que o conceito de cidadania, faz parte da maioria dos discursos contemporâneos que circulam em torno da questão política, econômica e social. Mas a presença ubíqua não significa clareza. Fala-se em cidadania, muitas vezes, de forma adjetiva, ilustrativa ou, no máximo, prospectiva, como algo a ser alcançado. Mas como acontece com todas as noções amplas demais, a de cidadania acabou servindo para tudo, o que é o mesmo que não ter serventia alguma!

O que se nota como inerente à idéia de cidadania é a participação, o atuar, o agir para construir o seu próprio destino. O que muda, ao longo dos tempos, são o grau e as formas de participação e sua abrangência.

Na Antiguidade Clássica, Cidadão era aquele que morava na cidade e participava de seus negócios, aquele que podia ter acesso aos cargos públicos, constituindo, portanto, uma minoria, devido às discriminações aos estrangeiros e escravos.

Pulando vários séculos, na Idade Média a cidadania era vinculada à vontade de Deus. A Igreja assumiu como instituições legítimas a propriedade privada, o matrimônio, o direito, o governo e a escravidão. No entanto, pregando sempre uma forma ideal de sociedade, na qual reinaria um Direito Natural Absoluto [originário da doutrina estóica do Direito Natural absoluto e relativo], em que todos os homens seriam iguais e possuiriam todas as coisas em comum, não havendo governo dos homens sobre homens ou domínio de amos sobre escravos, a Igreja conseguiu manter os ideais cristãos longe da realidade.

A partir da Reforma Protestante, ocasionadora da divisão da Igreja Católica, passa-se a dar ênfase à realidade social como objeto de reflexão e questionamento, originando-se, então, na França, a corrente filosófica do Iluminismo, cujo ponto de partida é Descartes, que dominou a Europa do século XVII ao XIX. Por esta doutrina, valoriza-se o Racionalismo, devendo ser todos os problemas [sejam relativos à natureza, ao homem e à sociedade] explicados pela razão e não justificados pela vontade divina, como ocorria com o poder do soberano ou com o próprio Direito Natural. Este período da história foi marcado por uma forte crença na soberania popular, na Democracia, estando o Direito Natural confiado à vontade geral do povo, os verdadeiros Cidadãos. Foram estes pensamentos que influenciaram diretamente a criação das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), como também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Mais tarde, no início do século passado, observamos a criação do Estado Social, que aliou o melhor das duas ideologias políticas mais conhecidas quando, após a Primeira Guerra Mundial, surgiu um liberalismo modificado, único meio encontrado de salvar a perpetuação do capitalismo, o qual estava prestes a entrar em colapso, devido à falta de equilíbrio entre produção e repartição, sendo um dos exemplos mais claro a Crise de 29, ocorrida nos Estados Unidos e obtendo repercussão mundial, com a quebra da bolsa de valores.

Foi, também, a maneira descoberta para se fazer uma contraposição ao Socialismo, que estava nascendo na época, e cuja crítica marxista ao sistema vigente e a pressão operária, geraram graves temores no mundo ocidental. Criou-se então o Estado Social, confiando ao governo capitalista um novo modelo gerencial, estabelecendo a ordem econômica e a intervenção do Estado na elaboração da Justiça Social. A este novo sistema, conjugador de princípios liberais e socialistas, denomina-se neo-liberalismo ou neo-capitalismo.

Para a perpetuação da ideologia liberal, recorre-se à intervenção estatal com a regulamentação do mercado, de forma a mantê-lo vivo, e à conseqüente ampliação do leque dos Direitos Fundamentais, neles se incluindo os Direitos Sociais referentes aos trabalhadores. Daí surgiu vários tratados, convenções e declarações com intuito de promoverem novos direitos sociais e econômicos, mudando mais uma vez o conceito de Cidadão.

Foi neste período que surgiu a primeira Constituição Social no mundo, elaborada no México, em 1917 a partir da Revolução ocorrida neste país em 1910. A ela seguiu-se a Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919. Outro ponto relevante de se destacar é o fato de que, muito embora se tenham positivado progressivamente os direitos sociais, o que representou importante passo na conquista de direitos pelas classes menos abastadas, a solução encontrada para a manutenção do sistema capitalista concentrador de riquezas, mesmo se fixando prerrogativas sociais nas Constituições, foi a de se classificarem estas últimas como normas programáticas. Estas não possuem efetividade prática, uma vez que não vinculam nem o legislador a lhe impor um prazo de vigência, nem o executor da lei a concretizá-la, já que, como não há prazo para seu cumprimento, não se pode condenar o administrador por não o fazer.

A noção do Estado paternalista, com seus filhos carentes tendo suas necessidades supridas pelo assistencialismo estatal, começa a se modificar a partir da segunda metade deste século, passando-se a acreditar que o indivíduo só viveria a plenitude de sua cidadania se tivesse os meios para que fosse realmente livre. Percebe-se, então, que a liberdade somente existe a partir da efetiva construção do cidadão liberto de todas as carências básicas que o impedem de ser livre. Dessa maneira, o direito individual da liberdade de consciência, insuficiente por si só, vem alicerçado pelo direito social à educação, o qual possibilitará um adequado desenvolvimento intelectual e cultural, gerador de capacidade crítica e de discernimento, sem o qual não se alcança um grau satisfatório de consciência livre de induções ou manipulações. Logo, para uma pessoa ser Cidadão, não se dependente da sua condição social e econômica ou de seu sexo, bastando apenas ser humano. Assim temos a cidadania como uma conditio sine qua non, que nos faz imaginar que só temos direitos e que o único dever é pertencer à raça humana!

Então se é tão simples assim, que se exploda o mundo, contanto que sejam preservados os nossos direitos de Cidadãos! É por isto que vemos na TV e em outras mídias, Cidadãos contrariados e queixosos dos seus direitos, com lágrimas escorrendo pela face e, de punhos cerrados, clamando justiça e culpando os governantes por um suposto descaso e pela suposta não observância dos direitos que todo Cidadão possui, quando calamidades naturais, como desmoronamentos causados por chuvas ou verdadeiros dilúvios, levam suas casas e seus pertences, deixando um saldo de mortes e muita tristeza. Uns gritam que a culpa é do Governador ou do Presidente, enquanto outros esbravejam que a culpa é do Prefeito! Pois se o Cidadão de hoje em dia só tem direitos, se pressupõe que os deveres só possam pertencer aos governantes!

Esta lógica torta impera em todo o mundo, mas podemos estudá-la de forma mais apurada quando observamos um Cidadão da classe média jogando uma embalagem de bala pelo vidro do seu carro ou quando observamos um Cidadão da classe socioeconômica mais baixa jogando um saco de lixo por cima do muro da sua residência, que dá para um córrego ou para um terreno baldio. Aí vem a chuva e aquele mesmo Cidadão que jogou uma simples embalagem de bala na rua, perde o seu carro numa enxurrada que não é absorvida pelos bueiros, enquanto lá na periferia, aquele outro Cidadão que costumeiramente joga seu lixo nos córregos e terrenos baldios, vê sua casa sendo desmanchada pelas águas dos rios que inundam o seu bairro.

Todos se comovem e consideram um absurdo a perda dos seus bens. E culpam o governo por não oferecer um sistema adequado de limpeza urbana ou por não ter canalizado os córregos e rios e por não conservarem os terrenos limpos. Afinal, desrespeitaram os direitos do Cidadão!

E a coisa segue na mesma ladainha de sempre. Com isso, o saco de culpados aumenta cada vez mais, porque nele não cabem apenas os governantes. Temos que depositar neste mesmo saco todos nós, Cidadãos que só querem direitos sem deveres!

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DESCUMPRA UMA LEI, MAS NUNCA TENTE DESCUMPRIR UM TABU!

sexta-feira, 2 de abril de 2010


 DA SÉRIE "SOLUÇÕES PARA O BRASIL"

Vou começar falando sobre a Prostituição. O que dizer a respeito da mais antiga profissão do planeta? Não sou contra e nem a favor, ou melhor, não a estimulo, mas também não a desencorajo, pois mesmo sabendo que costumeiramente é vista como um câncer social pela maioria dos cidadãos ocidentais doutrinados pelo pensamento judaico-cristão e também pela maioria dos adeptos das religiões e cultos orientais, não posso vê-la apenas pela ótica da ética e do julgamento religioso.

Pela lei brasileira, a prostituição não é crime. Toda pessoa é dona de seu corpo e pode usá-lo como quiser. Mas tirar proveito da prostituição, seja de que forma for, é crime. Assim, manter casas de prostituição, viver às custas de prostitutas ou mesmo induzir alguém a este tipo de trabalho, por exemplo, são considerados crimes e as penas podem ir de um a oito anos de reclusão.

Para mim e com certeza para todos brasileiros, o que realmente deve ser debatida e extinta é a Prostituição Infantil, esta deturpação que assola nosso país e que encontra refúgio de resistência no turismo sexual que contamina há anos a nossa imagem no exterior, como também nas altas rodas da elite socioeconômica do Brasil, além das centenas de pontos desta prática utilizados por viajantes e caminhoneiros espalhados pelas rodovias federais, dilacerando as esperanças de uma infância inocente seguida de uma adolescência normal de milhares de meninas e meninos que são personagens desta tragédia social.

Em 2005 a Secretaria Especial de Direitos Humanos apontou através de uma ampla pesquisa, que cerca de cento e vinte mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil. A maioria se encontra em capitais da região nordeste, como Salvador, Recife e Fortaleza, sendo todas integrantes de famílias extremamente carentes e filhas de pais indiferentes a este distúrbio.
As meninas geralmente sofreram abusos sexuais primeiramente dentro das suas próprias casas, pelas mãos dos próprios pais ou padrastos, quase sempre com a conivência da mãe. Por este motivo, as pesquisas demonstram que a garota até poderia tolerar por mais tempo a pobreza e a miséria, mas o que ela encontra em casa é a violência, o abandono e a degradação familiar. Para elas, talvez, seja mais fácil encontrar as dificuldades da prostituição nas ruas do que enfrentar os distúrbios de pais que ao invés de dar-lhes proteção, abusa delas sexualmente.

O problema chegou a tal ponto que foi preciso a intervenção do Congresso. Em 2003 e 2004, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito investigou centenas de casos e constatou situações vergonhosas, com envolvimento até mesmo de alguns políticos em exploração sexual infantil.

Mesmo assim, passados seis anos, continuamos na mesma posição. Algumas prisões foram feitas, quadrilhas desbancadas, mas nenhuma ação efetiva para atacar o foco principal do problema.

Não basta apenas tentar minar a exploração sexual infantil combatendo os exploradores. Precisamos promover ações sociais e políticas que solucionem de uma vez por toda esta disparidade sociocultural e socioeconômica que aflige a periferia destes centros urbanos, utilizando principalmente o poder de penetração e reestruturação social e educacional que as ONGs, instituições religiosas e a própria escola possuem.

Sei que falando assim, tudo parece ser muito simples. Bastaria instituir um programa coerente de conscientização entre as organizações que trabalham com este problema, e tudo estaria resolvido! Mas, antes disto, devemos nos ater a questão da indefectível vontade política. Sabemos que há um Senador capixaba evangélico chamado Magno Malta, que abraçou esta causa e vem desenvolvendo um trabalho de perseguição aos pedófilos, na posição de Presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pedofilia, sendo amplamente apoiado pelas mídias, principalmente aquelas que fazem uso do jornalismo populista, também conhecido como jornalismo sensacionalista, pelo simples fato de supostamente provocarem sensações emocionais ao transmitirem uma determinada notícia, enaltecendo a revolta e a hostilidade popular em relação a um determinado assunto polêmico. Pois bem, este Senador e os veículos de comunicação que promovem este jornalismo mais liberal, se fixam exclusivamente no perfil do transgressor criminoso que praticou atos de pedofilia, negligenciando as questões mais profundas, que passam notoriamente pela conduta sócio-educacional dos pais e pela visão transgressora dos costumes sociais, que corrompe ativamente as mentes da maioria das crianças e adolescentes vítimas da pedofilia. Quem leu "Lolita", uma das obras mais polêmicas da literatura contemporânea, do brilhante escritor russo naturalizado nos EUA, Vladimir Nabokov, sabe muito bem do que estou falando!

Nesta altura do texto, sei que muitos estão pensando que eu acho que os pedófilos não são culpados, mas lhes garanto que não é nada disso, pelo contrário, não consigo imaginar a nossa sociedade, nos moldes como foi criada, absorvendo indivíduos adultos que preferem praticar sexo com crianças! Definitivamente não há lugar em nossa sociedade para este tipo de gente, simplesmente por que há muito se definiu que para podermos ter um meio ambiente social saudável, certas práticas desconcertantes deveriam ser abolidas. Por isso temos leis e tabus respeitados por todos, ou melhor, apenas os tabus são respeitados por todos, ao passo que as leis, embora legitimas, são muitas vezes "dribladas", questionadas ou simplesmente ignoradas por muitos! Talvez a maior prova disto que estou dizendo, seja o fato da quebra de um tabu ser vista como algo totalmente inaceitável até mesmo pelos marginais da lei, aqueles que comentem diversos atos contrários às nossas leis. Roubar, furtar, ludibriar e matar, atos combatidos pelas leis e execrados pela sociedade, são facilmente aceitos pelos criminosos, ao passo que estuprar e praticar sexo com crianças e adolescentes, atos combatidos pelos tabus, absolutamente não são aceitos por ninguém, seja cidadãos do bem ou criminosos.

Diante disso, nós, cidadãos do bem e membros da sociedade humana, usamos os mecanismos da lei para combater e punir estes agravos de tabu. Do outro lado, aqueles que foram punidos por transgredirem leis e não tabus, fazem a sua versão de justiça quando se deparam com aqueles que transgrediram tabus. Ou seja, estuprador e pedófilo na sociedade encontram a cadeia e, uma vez lá dentro, encontram a morte!

Mas assim como ninguém [ com exceção dos defensores dos Direitos Humanos ] fica chocado quando um pedófilo ou estuprador é morto dentro de uma penitenciária, também não nos chocamos quando ficamos sabendo que alguém que praticou estes atos é sumariamente linchado na rua por um grupo de cidadãos. Daí concluímos que os tabus têm um peso social muito maior do que o das leis.

As leis são um mero conjunto de normas criadas para nos proporcionar uma condição de convívio social mais suportável, mas se você não se sente suficientemente confortável vivendo sob o jugo destas normas, você tem duas opções de mudar esta condição:  a) ter culhões para transgredir as leis que não estão sendo favoráveis a você e, assim, se transformar em um bandido e sofrer o risco de ser punido pela sociedade; ou b) ter muita perspicácia, influência e uma boa lábia para manipular as leis que estão lhe incomodando e, no caso de ser descoberto e punido pela sociedade, se preparar de antemão com uma boa reserva de dinheiro para os advogados.

Agora em relação aos tabus, esqueça! Não há meios de suplantar o poder social que um tabu tem! Se você quebrar um tabu e se enquadrar na opção "b" que mencionei acima, poderá escapar das garras da lei, mas tenha sempre em mente que nenhum dinheiro no mundo será capaz de calar o julgamento social do seu ato!

Comecei falando sobre a prostituição infantil. Porém, para o senso comum este é um assunto que se confunde com a pedofilia. A prostituição infantil ocorre porque a criança ou adolescente que pratica este ato vive em um ambiente de desordem familiar, com pais que não se preocupam com o desenvolvimento natural saudável dos seus filhos. Não há nestes lares uma conduta educacional que edifique os alicerces morais daqueles que estão em fase de crescimento. Portanto, em última análise, os pais e familiares destas crianças e adolescentes que se enveredaram pela prostituição, são os principais culpados! Neste caso, cabe muito bem o desgastado dito popular "Educação vem do berço"! Mas é claro que o meio social que engloba estas crianças e adolescentes também tem a sua parcela de culpa, pois negligencia outros caminhos que poderiam ser oferecidos para o efetivo distanciamento deste modo de vida. Só que ao pensarmos nisto, fatalmente retornamos a questão dos pais, os principais agentes do direcionamento da vida dos seus filhos.

Mas e a pedofilia, onde entra nisso tudo? O pedófilo é apenas um elemento com um distúrbio sexual que se aproveita do ciclo nefasto que envolve a degeneração de algumas crianças e adolescentes. Ele se aproveita das falhas de caráter moral dos pais que "educaram" seus filhos. É mais um agente na vasta malha da promiscuidade infantil!

Existem outros agentes que participam diretamente desta deturpação social e que não são pedófilos na concepção psicológica do termo. São adultos, em sua maioria homens, que em circunstâncias isoladas praticam sexo com menores, seja através da prostituição ou da simples facilitação, proporcionada tanto pela ingenuidade sócio-moral, como também pela banalização do sexo incutida na cabeça de algumas crianças ou adolescentes. Estes agentes não sentem atração exacerbada por crianças ou adolescentes, pois praticam sexo naturalmente com outros adultos. Para o senso comum são também pedófilos!

Mais alarmante que isto, é um outro grupo de agentes que, estes sim, são altamente perigosos e devem ser banidos da sociedade com o emprego severo da força policial. Trata-se dos adultos e, por vezes, também adolescentes, que estupram crianças por um prazer mórbido, geralmente não ligado especificamente ao sexo em si, e sim ao ato de dominar outro ser. Estes agentes não são necessariamente pedófilos, são estupradores que preferem crianças por serem mais fáceis de serem dominadas. Portanto, usam a força física e a intimidação para conseguirem sexo, sem nenhuma intenção de participarem do contexto facilitador da prostituição infantil. Suas vítimas geralmente são crianças saudáveis, do ponto de vista sociológico, que não participam de conflitos familiares e que, até a intervenção deste agente, seguiam o caminho natural do crescimento e das descobertas. Estas vítimas, quando não morrem em função deste abuso, seguem pela vida com sérios problemas de ordem psicológica, com grandes chances de se transformarem em traumas que serão levados por toda a vida.

Simplificando, entendo que existem quatro grupos distintos de agentes que contribuem diretamente com a prática socialmente repulsiva do sexo entre menores e adultos. Somente para o perfeito entendimento da minha explanação, vou enumerar e qualificar estes grupos:


GRUPO 1: composto pelos pais e familiares desajustados que não conseguem oferecer um diálogo e uma educação correta para os seus filhos, como também não conseguem proporcionarem um ambiente socialmente adequado para o crescimento saudável dos seus filhos;

GRUPO 2: composto por adultos desajustados que favorecem a prostituição infantil, aliciando crianças e adolescentes desajustados pelos seus pais;

GRUPO 3: composto por adultos e adolescentes portadores de uma desordem mental de desvio sexual, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde - OMC, como Pedofilia;

GRUPO 4: composto por adultos e adolescentes portadores de uma psicopatia de perversidade que prioriza o prazer da dominação física, comumente conhecidos como estupradores.


Fiz questão de dividir este problema em grupos porque quase ninguém enxerga isto quando se fala em pedofilia. Como eu já disse anteriormente, o senso comum define todos os casos como pedofilia e, com isto, se cria uma dificuldade de ação preventiva por parte dos órgãos competentes e dos agentes comunitários preocupados com esta questão. Com estas divisões, as medidas de profilaxia social podem ser direcionadas de forma mais efetiva.

Mais uma vez estou tratando de um assunto amplo, o qual acredito que precisa ser revisto com urgência, para que não continue sendo tratado apenas como um único e derradeiro problema. Separando as ações, poderemos promover adequadamente a conscientização desses pais indiferentes e desajustados. Por outro lado, ações mais precisas poderão ser aplicadas para que se possa levar estas crianças e jovens desajustados pelos próprios pais, para um melhor ambiente de reintegração sociocultural. Outras ações específicas podem identificar e tratar a pedofilia como uma sociopatia, enquanto nossa polícia intensifica o trabalho investigativo e o combate ao crime de estupro. Talvez só assim possamos então vislumbrar um futuro sem este tumor social.



Datas que devem ser lembradas:

18 de maioDia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes foi instituído com o propósito de congregar a sociedade civil, a mídia e o governo para o enfrentamento deste grave problema brasileiro. A data escolhida é a da morte de Araceli, menina de oito anos, violentada e morta de forma hedionda em meio a uma orgia sexual regada a drogas, no estado do Espírito Santo. Apesar de identificados, os culpados por sua morte nunca foram punidos em função do alto poder aquisitivo de suas famílias.

23 de setembroDia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças
A Conferência Mundial de Coligação contra o Tráfico de Mulheres de 1999, que aconteceu em Dhaka, Bangladesh, escolheu esta data para lembrar a promulgação da primeira lei que puniu, com penas de 3 a 6 anos de prisão, quem promovesse ou facilitasse a prostituição e corrupção de menores de idade. Trata-se da lei argentina conhecida como Palacios, promulgada em 23 de setembro de 1913.

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