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A VIDA É ENGRAÇADA

domingo, 22 de abril de 2012

Acho que depois de dezessete meses sem escrever aqui tenho o direito de escrever sobre qualquer coisa, por mais idiota e sem sentido que possa ser. Mas não se preocupem, pois vocês também têm o direito de lerem tudo o que vou escrever ou abandonarem essas linhas ao fim desse parágrafo.


Bem, se sobrou alguém ainda para ler o restante, aviso que não encontrará nada a respeito do porquê desse enorme hiato entre esta e a última publicação. Houve muitas coisas e não quero me transformar em um daqueles chatos que respondem literalmente quando perguntamos como ele está. Eu estou bem.

Quando estava no início da casa dos vinte anos de idade, naquele período non sense que dedicamos um vasto tempo aos estudos universitários, um amigo maluco, músico, poeta, punk e, na época, apreciador da cannabis ( como todos os bons universitários ), me alertou sobre a urgência absolutamente necessária de se ler Charles Bukowski. De bom grado aceitei a sugestão, que mais parecia uma ordem. Só sei que nos doze meses seguintes devorei a maior parte das obras desse escritor mais doido que o meu amigo.


Quase vinte anos depois, a cerca de dois meses, estava eu perdido no interior de uma livraria Saraiva meditando sobre coisas para se escrever a respeito de navios cruzeiros. Não, eu não estava endoidecendo; apenas tinha que preparar alguns textos curiosos sobre viagens em cruzeiros que seriam publicados na fan page de uma grande marca de óculos e acessórios, que de tão grande é vista por muitos como uma marca internacional, talvez oriunda dos Estados Unidos ou qualquer outro país fabricante de modismos, quando na verdade é puramente nacional. Tratava-se de um trabalho de redação publicitária para a Chilli Beans.

Meus pensamentos vagavam alucinadamente quando esbarrei numa pequena estante com vários livros de bolso. Instintivamente meus olhos foram ao encontro de um pequeno livro de capa branca com um desenho frontal de um grandioso navio transatlântico. Evidente que aquilo me chamou a atenção e, seguindo meus instintos, meu braço direito se moveu e me fez pegar aquele livrinho.


Ainda com os olhos fixos na imagem do navio, minha visão periférica conseguiu captar o nome de Robert Crumb logo acima do desenho. As ilustrações da obra eram desse gênio.

De imediato pensei que havia encontrado um pequeno tesouro abarrotado de boas histórias sobre pitorescas viagens em cruzeiros. E quando li o enorme título, nem um pouco usual, acompanhado do nome do autor fui apossado pela mesma sensação que deve ter tomado o corpo e a mente de Cristovão Colombo ao avistar as Américas!


"O Capitão saiu para o Almoço e os Marinheiros tomaram conta do Navio", de Charles Bukowski. Incrível, aquele velho maluco que escreveu sobre tantas coisas viscerais também havia escrito algo sobre cruzeiros ou simplesmente sobre histórias narradas em navios, pensei comigo.

Estava com um casal de amigos na livraria e meu amigo, ao me ver com o livro nas mãos, veio até mim e me disse: "Gostou do livro? Pode pegar, é um presente. E aquele outro que você estava olhando antes, pegue também. Eu pago". Sai da Saraiva com esse pequeno livro e com a "Dança do Universo", do grande Marcelo Gleiser.


Chegando em casa iniciei a velha rotina de conhecimento de uma nova obra, coisa que faço sempre antes de começar a ler um livro. Leio a capa final e as orelhas, quando existem. Depois leio a segunda ou quarta página, onde se encontra os dados da obra, com as referências de publicação e edição, nome original e datas. Então parto para a apresentação e a dedicatória, que esclarece tudo sobre o conteúdo do livro. Foi então que senti um misto de satisfação e desanimo.

O desanimo foi porque não se tratava de nenhum compêndio de  histórias fantásticas sobre excursões desastrosas em cruzeiros marítimos. E a satisfação, muito maior que o desanimo, foi porque estava com a última grande obra do gênio Bukowski em minhas mãos. Aquilo era mais do que tudo que ele escreveu; é uma síntese dos seus últimos anos de vida, contada através de trechos que ele próprio escolheu dos seus diários pessoais entre 1991 e 1993, um ano antes da sua morte.


Tenho quase certeza que já mencionei nesse blog que leio religiosamente ao menos um livro por mês desde os meus quinze anos de idade. Mas agora eu estava com uma jóia rara que merecia um pouco mais de dedicação e tempo para ser plenamente desfrutada. Esse pequeno livro desse escritor safado e maldito, com apenas cento e cinquenta páginas, precisava ser saboreado aos poucos. Passado quase dois meses, ainda continuo lendo. E agora pouco, numa solitária noite de sábado chuvosa, li o capítulo com o texto que ele escreveu em seu diário no dia 24 de agosto de 1992, curiosamente o mesmo mês e ano em que recebi, de maneira fleumática, a ordem de ler Bukowski dada pelo meu amalucado amigo Marcelo Theo, hoje mais conhecido como Teteco dos Anjos.

Se você está acompanhando esse texto, deve estar se perguntando qual o motivo de eu ter escrito tudo isso até o momento. Pois saiba que o motivo é totalmente descabido, talvez incompreensivo e muito engraçado, tanto quanto a nossa vida é.


Sim, esse motivo idiota me fez retornar a escrita nesse blog, mas não é um motivo que possa se justificar por si só. O entendimento dele se sustenta numa tênue linha entre o absurdo e a sensatez.

Nesse capítulo que acabei de ler o velho escritor reclama de um inchaço estranho que surgiu no seu lábio inferior. Ele não sabe como isso ocorreu, mas desconfia que posa ter sido por causa dele ter bebido água na tigela do seu gato! Ao fim do capítulo ele se queixa do fato de ninguém se dar conta do seu lábio inchado, nem mesmo a sua mulher, companheira de tantos anos, que descaradamente pergunta: "O seu lábio não foi sempre assim?"


A vida é muito engraçada! Todos nós passamos, quase que diariamente, por situações absurdas, que quase nos enlouquece. Beiramos a loucura e nos controlamos para não matar alguém ou, outras vezes, nos metemos num problema gigantesco, que parece não ter solução alguma e lamentamos profundamente ou choramos copiosamente. Tudo depende de cada um, de como encaramos as coisas, mas quase sempre nos sentimos injustiçados e portadores dos piores e mais cabeludos problemas de toda a história da humanidade!

Aí então vem alguém, um amigo ou um quase desconhecido, que nos afaga, dá um tapinha nas costas ou um abraço demorado e nos diz que isso não é nada, que vai passar, que devemos esquecer ou então agradecer por não ser algo ainda pior.


É claro que isso não resolve nada. Ou a gente se faz de educado e agradece o sujeito pela força que está dando, ou esbravejamos e mandamos o coitado se foder! Nossos problemas sempre serão os maiores do mundo e, diametralmente, a importância dada a eles pelos outros será sempre a menor possível. Isso é humano, ou melhor, demasiadamente humano, como já alertava Nietzsche, o ilustríssimo observador analítico da comédia humana.


É por essas e outras que amo a vida. Tudo aqui é uma peça encenada sem roteiro e, pior, sem ao menos sabermos que somos atores burlescos dessa tragédia teatral que provoca choros e risos na platéia que assiste nosso monólogo insano. E é um teatro muito divertido, porque em um mesmo ato podemos nos transfigurar de elenco para espectador, bastando para isso apenas parar de choramingar nossos infortúnios e passar a ouvir a ladainha dos outros.


E a peça continua, corre, vara noites e rasga dias, até que, do nada, paramos um pouco de encenar e de assistir e começamos a relembrar episódios aparentemente esquisitos da nossa vida, a refletir, como diz os filósofos. Aí a gente ri a toa e sozinho, como um encamisado de um hospício que dá gargalhadas ao ver gotas d'água escorrendo numa vidraça. O que um dia foi perturbador e insolúvel se transforma em cômico e ridículo quando visto a uma certa distância temporal.


Então eu pergunto, por que temos que esperar tanto para rir das nossas desgraças atuais? Eu não quero mais isso; eu não preciso disso. Eu quero poder rir quando a piada está sendo contada ( ou vivida ).


Se a minha e a sua vida são eternas anedotas, que reine o bom humor em nossos dias! Vamos acordar sorrindo e dormir gargalhando. Que as minhas e as suas rugas se criem dos risos que dermos e não das preocupações que inventarmos!

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