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SOBRE TANTAS COISAS

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Fiquei um bom tempo sem escrever por aqui e, neste ínterim, como não poderia ser ao contrário, a fila andou no Brasil e no mundo. Sem respeitar a ordem cronológica dos fatos, posso me recordar de alguns passos relevantes na fila de acontecimentos dos últimos dois meses: O fiasco do Brasil na Copa do Mundo; o efeito viral do “Cala a Boca Galvão”; enchentes no Nordeste; anistia na Espanha de exilados políticos cubanos; julgamento com pena de apedrejamento de uma mulher no Irã; eminência de uma nova guerra perpetrada pelos EUA; conflitos políticos entre a Colômbia e a Venezuela; vazamento de vídeos e documentos que comprovam ações militares dos EUA contra os direitos humanos de civis no Afeganistão; escândalos de dossiês supostamente elaborados pelo PT contra o PSDB e o ministro Mantega; declarações comprometedoras do vice do candidato à presidência do PSDB contra o PT; os primeiros nomes de políticos afastados da corrida eleitoral pela lei da Ficha Limpa; a briga comercial entre os gigantes da telefonia fixa e móvel no Brasil; o empurra-empurra e o rolo generalizado entre o Governo e a Prefeitura de São Paulo e a CBF e a FIFA sobre a questão dos estádios para a próxima Copa; as peripécias e palhaçadas ocorridas na investigação do caso Bruno, o quase ex-goleiro do Flamengo; a comprovação pelo TSE que nenhum candidato à presidência possui um Programa de Governo; a morte do grande Saramago; a segregação imposta pela lei radical contra os imigrantes clandestinos no Arizona; o erro tecnológico da antena do iPhone 4; a divulgação das fortunas que nossos políticos e candidatos guardam em espécie debaixo dos seus colchões; a odisséia hidráulica de três semanas trazida com a reforma forçada que tive que fazer no meu banheiro e, finalmente, a única notícia boa - a nudez de Cléo Pires e Larissa Riquelme na Playboy brasileira.


Se eu fosse escrever hoje sobre atualidades, o texto seria uma verdadeira colcha de retalhos! Retalhos desfigurados em grandes pedaços de pano de cores escuras e, isoladamente, um único retalho de cor alegre, graças à última notícia enumerada na lista acima!

Mas haveria também as rendas e babados que enfeitam a horrorosa colcha de retalhos. Estes, a exemplo do solitário retalho de cor alegre, também seguiriam em tons claros e vistosos. São estas alegorias e penduricalhos da grande colcha retalhada que representam as boas notícias mundiais que, infelizmente, não tiveram tanta repercussão nas mídias.

Falo de coisas boas para todos nós que, graças à ousadia e o avanço tecnológico e cientifico, trouxeram novas e gratificantes perspectivas para brasileiros e toda a população mundial.



Se a colcha de retalhos de fatos mediáticos que se produziu nesses dois últimos meses é suficientemente grande para cobrir duas camas king-size, as rendas que a circulam são feitas de poucos fatos de uma grandeza única. Começamos pela notícia que circulou rapidamente pela mídia entre os dias 16 e 17 de julho, informando a concretização de um projeto científico de baixo custo em parceria entre a nossa USP e a instituição de educação britânica King’s College. Com um investimento de apenas 200 mil reais, está sendo construído um laboratório em São Paulo que começará a operar em meados de 2011 e que abrigará o primeiro Banco de Células-Tronco Dentárias!


A idéia é fantástica e consiste em manipular dentes de leite, que são descartados naturalmente, extraindo as células-tronco e as colocando em cultivo, para que possam ser utilizadas por profissionais de saúde e pesquisadores do Brasil e da Inglaterra. Os estudos, que visam à transformação e especialização de células-tronco em outras células específicas na formação de praticamente qualquer órgão biológico, embora estejam avançados hoje em dia, ainda, infelizmente, esbarram em questões éticas de ordem religiosa, que insistem, através de um forte lobby, em promover posicionamentos idiotas e reacionários frente aos avanços científicos coerentes com as disposições de um Estado laico.


No caso das células-tronco dentárias, não existe este conflito ético, já que elas não advêm de um embrião humano. Assim, os dogmas religiosos só poderiam criar imposições se a horda de fanáticos inventasse uma imaginativa e ignóbil defesa dos direitos trabalhistas da Fada dos Dentes!


Da mesma forma que se procede os estudos com células-tronco embrionárias, as dentárias também possuem a mesma serventia, no que tange a reconstrução de órgãos e tecidos. O novo Banco de Células-Tronco Dentárias servirá ao mesmo propósito, além de se especializar na caracterização odontológica, podendo nos próximos quinze anos desenvolver técnicas totalmente inovadoras neste campo, que certamente irão mudar o cenário atual das técnicas de implante e estética dentária.


As versatilidades das células-tronco dentárias sugerem pelo menos três aplicações nesta área: restauração de tecidos dentais danificados; construção de biodente (o que seria uma terceira dentição ou o fim das dentaduras) e engenharia tecidual, pra reconstrução de tecidos e recuperação óssea. Além disso, o laboratório do Banco de Células-Tronco Dentárias se prestará ao estudo de outros tipos de células-tronco, ou seja, as que compõem a polpa dos dentes permanentes, da papila apical (tecido mole no final da raiz), do tecido periodontal (tecido que liga o dente ao osso) e a dos folículos dentários (tecido que recobre o dente antes de ele nascer). 


Para se ter uma idéia de como as técnicas já estão avançadas, o grupo pertencente ao King’s College já desenvolveu em 2004 a recriação de um dente inteiro, com todas as estruturas biológicas, inclusive o osso de suporte, alojado no rim de um camundongo, graças ao implante de células-tronco dentárias no órgão do animal, que foram alimentadas pelo fluxo sanguíneo do próprio órgão. Embora seja uma técnica invasiva de pesquisa, o espécime não sofreu nenhum problema de saúde e, agora, o próximo passo será repetir o experimento e em seguida extrair o dente e implantá-lo na arcada do animal.


Seguindo a mesma linha de avanço científico, foi noticiado pela mídia entre os dias 30 e 31 de julho, o primeiro teste de células-tronco embrionárias em uma pessoa. O feito não pertence aos brasileiros e sim aos americanos, que estão mais avançados no discurso ético-religioso. Mas, mesmo assim, constitui uma notícia espetacular para todos e, como não poderia deixar de ser, também faz parte da pequena grandiosa bainha que envolve a retumbante colcha de retalhos.


A notícia põe fim a uma novela que se arrastava desde agosto de 2009, quando a empresa americana Geron, de estudos genéticos, recebeu o aval da FDA, órgão que regula medicamentos e alimentos nos EUA, para a concretização do experimento, mas que, porém, teve a permissão revogada após a agência americana ter questionado o surgimento de cistos nos organismos de camundongos utilizados nas pesquisas preliminares.


Após longas argumentações e uma vez reconhecidos os riscos e o diferencial proposto nesta nova fase da pesquisa, em que humanos serão as cobaias, a FDA sancionou o experimento, que visa a reconstrução da medula espinhal de pessoas que sofreram lesões recentes na coluna.


De acordo com Thomas Okarma, presidente da Geron, até o final deste mês de agosto, terá início o recrutamento e a seleção de dez pacientes paraplégicos que tenham sofrido o acidente causador da paralisia menos de quinze dias antes do teste clínico, para receberem as células-tronco embrionárias e participarem do acompanhamento biomédico.


Na verdade, este experimento é mais um sistema de controle de como deverão agir as células-tronco implantadas na medula, do que um tratamento revolucionário. Os cientistas envolvidos não esperam a cura total através deste experimento. Eles sabem que ainda estão na fase inicial da pesquisa e a preocupação no momento é saber se haverá algum dano ao paciente, como a possibilidade do desenvolvimento de tumores no local do implante. Com isto, a Geron abre portas para todos os profissionais de pesquisa genética do mundo, inclusive os do Brasil, que estão acompanhando atentamente o desenrolar deste teste que, se correr tudo bem, será um divisor de águas na comprovação do potencial terapêutico das células-tronco embrionárias, segundo Stevens Rehen, especialista genético da nossa UFRJ.


Para finalizar, outra ótima notícia que circulou nos dois primeiros dias deste mês, anunciando a ressurreição de um antigo sonho brasileiro, o de possuir uma fábrica nacional de automóveis.


Desde o falecimento da Gurgel, poucos ainda apostavam no surgimento de uma nova fábrica nacional que produzisse veículos comerciais. Ricardo Machado, advogado carioca, foi um desses apostadores que abraçou a idéia de uma fábrica totalmente nacional.


Em 2001, com cerca de 10 milhões de reais nas mãos, fruto de um grande negócio imobiliário que havia fechado, Ricardo Machado procurou o renomado designer Anísio Campos, criador do histórico carro fora de série DKW Puma. Juntos criaram um minicarro urbano que utilizava um possante motor de 1.6 litros produzido pela Tritec, uma joint-venture da Chrysler e da BMW no Paraná, a mesma empresa que fornecia motores para a famoso Mini Cooper.


Entusiasmado com o projeto, batizou o carrinho com o nome de Obvio! (com o sinal de exclamação), inspirado em Nelson Rodrigues, autor da tese de complexo de vira-lata brasileiro e da frase “É o óbvio ululante”.


Para tocar a fábrica correu o Brasil em busca de investidores e descobriu que a empreitada seria muito difícil e, desanimado, pensou que poderia engordar as estatísticas que apontam que nos últimos trinta anos 112 montadoras de veículos fecharam as portas no Brasil, sendo que algumas nem mesmo conseguiram partir para a produção inicial.


Mesmo endividado após quase seis anos acreditando no projeto, no final de 2006 o advogado sonhador seguiu para os EUA e participou de sete salões de automóveis voltados às tecnologias limpas, apostando na incorporação de um novo motor flex. Por lá teve a sorte de conhecer executivos da empresa americana ZAP (Zero Air Pollution), que adquiriu 20% da participação capital da sua nova fábrica, num negócio de 2 milhões de dólares. A ZAP acreditava no formato elétrico do carrinho brasileiro e encomendou 50 mil unidades que até hoje não foram entregues.


Acontece que em 2007, a Titrec, fornecedora dos motores, fechou as portas deixando Ricardo Machado na mão. Com as dívidas acumuladas e um calote internacional na ZAP, ele resolveu vender a Obvio! no ano passado para a empresa nacional Vrooom, formada por executivos do setor elétrico, que almejava a produção do primeiro carro elétrico no país.


Mais uma reviravolta ocorreu no último dia 21 de julho, quando a Vrooom mudou de donos e foi incorporada pelo fundo de investimentos internacional da empresa européia Cappadocia Investments.


Depois deste novo cenário, a Cappadocia resolveu contratar Ricardo Machado para presidir a subsidiária do fundo no país. Obviamente ele comemorou muito e se surpreendeu por se encontrar novamente à frente do seu maior sonho: o lançamento de uma fábrica nacional de automóveis.


Agora está acontecendo uma disputa entre oito cidades para sediar a fábrica da Obvio!, que será no estado do RJ. Novamente nas rédeas do projeto e agora com mais poder, Ricardo Machado chamou o antigo parceiro, o designe Anísio Campos, hoje com 77 anos de idade, para refazer o projeto do veículo, que ganhou muito em modernidade tecnológica, incluindo chassi de alumínio, baterias de lítio/íon, motor elétrico de última geração com versões de 140 e 250 cavalos de potência, painel com computador de bordo processado por um iPad e um iPhone, com acesso à internet, GPS e conexão com a equipe de manutenção do Obvio!


O carrinho mede 2,75 metros, um metro a menos que o novo Uno e custará entre 60 e 120 mil reais, caso não se consiga fechar um acordo com o Governo para redução dos impostos da categoria de veículos elétricos, que hoje tem o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na faixa de 25%, em comparação com a alíquota destinada aos carros flex popular, que é de 7%. Caso haja uma renegociação não só na alíquota deste imposto, como também em outros encargos tributários e a produção anual chegue em 100 mil unidades, o nosso carrinho elétrico de alta tecnologia poderá chegar ao mercado pelo valor de 22 mil reais, o que seria uma dádiva para o consumidor!


Além disso, o Obvio! inovará com o seu sistema de vendas, que não será nada tradicional. Não haverá concessionárias e os veículos serão distribuídos pelas empresas de fornecimento de energia elétrica, através da aquisição de lotes de no mínimo 1000 carros, que serão revendidos a nós, consumidores, para pagamento em 80 meses. As parcelas serão cobradas na própria conta de energia. As companhias também serão responsáveis pela instalação de torres de recarga da bateria em postos de combustíveis. O consumidor poderá abastecer as baterias em casa, ligando uma tomada simples no veículo, ou poderão recarregá-las nos postos de combustível, com a vantagem de poderem utilizar tomadas especiais que diminuem o tempo de carregamento das baterias. Em casa durará 4 horas a carga completa e nos postos este tempo cairá para cerca de 55 minutos.


Com isto termino com esmero a colcha de retalhos e seus babados, tecida no curto (e ao mesmo tempo longo) período que fiquei ausente deste blog.

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