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PARIS NÃO É AQUI!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Desde o surgimento do lema francês estampado na bandeira deste progressista país europeu, as expressões (e seus significados) “Liberdade” e “Igualdade” passaram a caminhar juntas ao redor do mundo, ora distanciando-se uma da outra, ora quase ou praticamente se fundindo. Mas, mesmo assim, ainda há recantos deste mundão onde estas palavras tão fortes e, ao mesmo tempo, tão vagas, são desconhecidas ou sublimadas. E em outros recantos, onde elas já protagonizaram levantes sociais históricos, são hoje meros escudos que protegem sistemas filosóficos e políticos altamente suspeitos!
 
Pois me espanta que aqui em nosso Brasil, país que foi palco durante décadas de uma censura tirana e improdutiva, encontramos, em plena aurora do século XXI, um imenso escudo travestido de suntuosos retalhos de “Liberdade” e “Igualdade”, ocultando um indesejável retrocesso social e político.

 
Portanto, já que segundo Caetano Veloso o “Haiti é aqui”, podemos ter certeza que Paris não é aqui!

 
Estou falando de um suspeitíssimo órgão governamental chamado Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que impetrou junto ao Conar (Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária) um pedido descabido de censura contra a propaganda da nova cerveja da Schincariol, a “Devassa Bem Loura”, cuja campanha tem como estandarte a socialite americana Paris Hilton.

 
Esta campanha foi lançada pela agência paulista Mood durante o Carnaval, com a presença de Paris Hilton ocupando um lugar de destaque em um camarote da cervejaria na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Toda a badalação envolta da visita da loura americana foi muito bem estruturada e organizada, rendendo uma exposição fantástica na mídia nacional e internacional. Um belo trabalho de uma agência que até então eu desconhecia.

 
Mas todo este auê culminou em uma medida liminar concedida pela Justiça e acatada pelo Conar na noite da ultima sexta-feira, dia 26 de fevereiro, que determina a suspensão da veiculação de todas as peças publicitárias na TV, no rádio, na mídia impressa e internet. Um verdadeiro balde de água fria jogado encima da surrada liberdade de expressão!

 
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres se justifica dizendo que a campanha é um grave afronto à imagem da mulher. Segundo Ana Paula Gonçalves, ouvidora da Secretaria, a proibição desta campanha representa a visão dos objetivos deste órgão governamental, que são “zelar para que haja respeito pela imagem da mulher e para que a mulher não seja tratada como um produto”. Só que o mote de objetivos desta Secretaria federal vai muito além desta bandeira e esta é a sétima vez que o Conar é acionado por este órgão.

 
Voltando ao início do texto, evoquei a questão da “Liberdade” e “Igualdade” simplesmente porque é sabido por todos nós que este era também o lema do Movimento Feminista, que trouxe relevantes e inquestionáveis mudanças sociais em prol da situação da mulher em nossa sociedade. Mas como nenhum levante social é plenamente perfeito, temos sempre a ala dos radicais de plantão, neste caso representada facilmente pela ativista Andrea Dworkin, que defendia a ruptura definitiva dos grilhões insustentáveis que as mulheres traziam há séculos, como a humilhação de ter que cozinhar e lavar para os homens, criar seus rebentos e (a pior de todas!) suportar as violações regulares no leito conjugal! Não é de se espantar que muitas mulheres homossexuais da década de 70 se auto proclamavam “filhas” do Movimento Feminista!

 
A libertação que buscavam não era só subjetiva. Queriam deixar de ser encaradas como objetos sexuais e instituídas como pessoas. A luta contra a indústria pornográfica nos anos 70 e 80 nos Estados Unidos foi o cenário mais irônico deste Movimento, que com esta marcha estreitou e unificou as relações com a extrema direita religiosa, sua inimiga mais explícita. É quase como dizer que para ser Feminista tem que ser muito Machista!

 
A escritora Camille Paglia observou muito bem estas particularidades incoerentes do Movimento e disse que “longe de defender a libertação das mulheres, [o Movimento Feminista] apenas pretendia substituir uma forma de autoritarismo por outra”. Camille Paglia, assim como eu, não é contra o Movimento Feminista; apenas não aceita que esta libertação defendida passe por um novo catálogo de proibições. O grande trunfo deste Movimento é poder oferecer às mulheres algo que elas não tinham até então: Escolha e Poder.

 
A mulher, assim como o homem, deve poder escolher o que deseja ser ou representar. Somos livres na medida em que este conceito de liberdade possa ser expresso sem compromissos com uma suposta moral que, nada mais é, que um novo e taxativo grilhão a ser pendurado em nossas pernas cansadas de quilômetros e quilômetros de marcha!
As mulheres não querem mais marchar, querem se divertir, dançar! E poder dançar com quem elas escolherem, do jeito que elas quiserem. A maturidade foi alcançada e, se algum idiota ainda não percebeu isto, temos a Lei e o bom-senso para alertá-lo ou puni-lo. Não precisamos de amas-secas nas formas de Secretarias Especiais ou Delegacias para esmagarem com suas enormes tetas burocráticas o nosso direito inalienável de expressão. Sou absolutamente contra quaisquer intervenções do Governo em nossa liberdade de expressão, como também sou contra programas e ações do Governo que visam impor tutelas de privilégios, como cotas raciais, indenizações às famílias de presos (e desaparecidos) políticos e bolsas-família e afins! Mas isto é assunto para outra conversa.

 
O que quero enfatizar é que impedir a veiculação de uma propaganda como esta que foi proibida, é meio caminho andado para a implementação de políticas de censura ainda mais abusivas. Será que no futuro veremos o Carnaval ser proibido de mostrar a beleza das nossas mulheres? E as novelas e BBB’s da vida, também estarão com os seus dias contados?

 
Muitos dirão que isto é uma utopia paranóica, mas não devemos deixar de lado algumas partes do novo código de Direitos Humanos, intitulado “3º Programa Nacional de Direitos Humanos”, que pontuam parágrafos suspeitos de censura contra as mídias televisivas. Nesta segunda-feira, dia 1º de Março, o Instituto Millennium ( www.imil.org.br ), uma entidade sem fins lucrativos mantida por empresários, dentre eles Roberto Civita, presidente do Grupo Abril e João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, promoveu o “Fórum Democracia e Liberdade de Expressão” em São Paulo, que contou com a presença de empresários do setor de mídia, jornalistas, professores e políticos. As propostas de controle social da mídia pelo Governo federal foi o principal assunto tratado.

 
Esta nova versão do Programa do Governo prevê a retirada da concessão de veículos de comunicação que não observarem os princípios do código de Direitos Humanos. O problema é que estes códigos estão sendo alterados “por baixo do pano” e visam claramente uma distorção da liberdade de expressão que tanto lutamos para alcançar. Eu me lembro nitidamente daquele papel datilografado com a insígnia da República no cabeçalho que tomava conta de toda a tela da TV antes de cada programa ir ao ar, descrevendo seu conteúdo e advertindo que o mesmo havia sido inspecionado pelo Governo. Não havia filmes, novelas, programas, shows e até mesmo desenhos animados que não tivessem pelo menos um corte em uma das imagens ou falas. Eu não quero viver isto novamente!

 
O Ministro das Comunicações, o jornalista Hélio Costa, estava presente juntamente com os Deputados Antonio Palocci (PT-SP) e Miro Teixeira (PDT-RJ). Eles se colocaram contra as medidas propostas do plano de Direitos Humanos de criar um sistema para fiscalizar se os meios de comunicação respeitam os princípios de direitos humanos. Mas isto não basta, pois sabemos que estão tramitando no Congresso a criação da Ancinav, um órgão destinado a regular o setor de audiovisual, e o Conselho Federal de Jornalismo, para fiscalizar a atuação das redações de todos os jornais do país.

 
Neste mesmo Fórum também esteve presente os jornalistas Adrián Ventura, colunista do jornal argentino “La Nación”, o equatoriano Carlos Vera e Marcel Granier, proprietário do canal de TV venezuelano RCTV, cujo pedido de renovação da concessão foi negado pelo Presidente da Venezuela Hugo Chávez. Eles alertaram para o fato de as medidas de controle e censura da mídia em seus países terem começado sob o mesmo pretexto da necessidade de aumentar a responsabilidade social dos veículos de comunicação.

 
Por essas e outras, confesso que fico um pouco com o pé atrás sobre o futuro do Brasil no que tange a estas questões, principalmente quando o assessor especial do nosso Presidente para assuntos internacionais, o professor Marco Aurélio Garcia, que também foi escalado para coordenar o programa de governo da pré-candidata Ministra Dilma Rousseff, proclama abertamente que os aclamados seriados americanos e demais programas exibidos pelos canais de TV paga não passam de autênticos “estercos culturais” e que a esquerda do Brasil precisa reagir contra a “perigosa difusão de valores capitalistas” disseminada pelos Estados Unidos em nosso país! 

 
Pode ser um discurso antigo e pré-revolucionário, típico “lugar comum” das inflamadas reuniões dos estudantes recheados de nacionalismo barato dos anos 60, mas quando dito em 2010 causa certo medo, até porque podemos colocá-la ao lado de outra declaração absurda dita recentemente pelo Presidente Hugo Chávez ao chamar as bonecas Barbie e os games eletrônicos de lixo importado. Para o pitoresco Chávez a indústria de brinquedos do seu país deveria produzir apenas bonecos de índios, os verdadeiros ícones e cidadãos da Venezuela! Ou seja, de um lado um Presidente de uma nação diz que só os índios são cidadãos de verdade e, do outro lado, um assessor de assuntos internacionais de um Presidente de uma grande e reconhecida nação, o nosso Brasil, diz claramente que os milhões de brasileiros que assistem “enlatados” americanos não possuem discernimento de nada!

 
Bem, c'est la vie! Só nos resta agüentar a ultima piadinha do Tio Sam: “Paris Hilton é muito sensual para os padrões de aceitação do Brasil”.

3 comentários:

Laura 5 de março de 2010 às 15:49  

É ridículo constatar que ainda existe esse tipo de censura em um país tropical e liberal, onde as mulheres andam praticamente nuas pelas praias! Um país onde o tapa-sexo costuma ser a única peça de roupa usada nos desfiles de carnaval, acessório que costuma "cair" no chão durante as apresentações... É tão surreal, que chegamos ao ponto de pensar que se trata de estratégia de marketing da cervejaria! Já Hugo Chávez não nos surpreende mais com seus instintos ditatoriais, ainda mais depois do sucesso de um vídeo game cujo objetivo é matar o líder ditador latino-americano... pensar e agir democraticamente são dons e somente a alguns é que tal graça se consente...

Anônimo 5 de março de 2010 às 23:26  

Linda, rica e loira. Quanta ignorancia! Daqui a pouco vão querer que mudem o nome da cerveja. Lamentável..

Deijivan 6 de março de 2010 às 04:30  

Obrigado pelas manifestações! Concordo com Laura e com o sr.(a) "Anônimo".

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